ADORADORES
Temos feito
nos últimos dias uma declaração de fé e de propósito que reflete a ideia de
Deus sobre a igreja. Cremos que a igreja é um projeto de Deus na terra, e quando
falo “igreja”, tenho duas coisas em mente. Uma – a igreja de Cristo é maior que
nossas comunidades locais e é um mistério do Senhor que Ele mesmo cuida, por
ser sua propriedade exclusiva. Duas – cada igreja local faz parte desta igreja
maior, porém tem especificações bem particulares que diferencia umas das
outras.
Como “corpo de
Cristo”, cada igreja local realiza sua função específica, assim como cada
célula, órgão e sistema de um corpo humano o faz. Portanto, mesmo que uma
igreja local faça parte de uma denominação cristã, ainda assim, em sua vida
diária e em sua localidade, ela não é igual a nenhuma outra. Cada igreja tem um
desenho específico de Deus em sua multiforme sabedoria e assim o é para que a
pluralidade de indivíduos que existem nas sociedades possa encontrar um lugar
onde se identifiquem sem muitas resistências.
Eis a
declaração que reflete nossa crença neste tipo de igreja dentro da Igreja
universal de Cristo:
“Desejamos que
cada membro se torne um verdadeiro adorador, que reflita a imagem de Cristo na
terra e converta-se em um libertador de outras vidas.”
Cremos que
essa declaração engloba toda nossa história como igreja local e reflete um
desígnio divino particular que impõe uma reação de nossa parte. Por isso
começamos a falar primeiramente sobre ADORADORES, como maneira de iniciar essa
caminhada em direção ao alvo e desejo do Senhor para nossa igreja local. Vamos
passar pelo evangelho de João, no encontro de Jesus com a mulher samaritana e
ver ali qual a ideia de Jesus sobre esse tema. O que Jesus pensa sobre a
adoração é mais importante do que o que nós pensamos sobre a adoração. No
encontro dele com aquela mulher tudo estava envolvido na perspectiva e na resposta
à questão da adoração. Acreditamos que o Senhor vê a adoração como algo que
possui sete características distintas:
Primeiro – adoração é uma questão de saciedade, ou seja, de não mais
sentir sede. Nos versículos 10 ao 14, Jesus deixa claro para aquela mulher
que quem recebe a Ele, e, portanto, a água que Ele dá, não volta a ter mais
sede. Claro que sabemos que não é da sede física que Jesus está falando, mas da
sede da alma. Porque muitas pessoas andam de lá para cá, de igreja em igreja,
de pregador em pregador, de profeta em profeta ou de show em show gospel?
Porque não receberam a água da vida de Cristo, pois se tivessem tido de fato
esta experiência, se plantariam em suas comunidades, beberiam da água de Deus
dali, trabalhariam por suas igrejas, a despeito de qualquer problema que
pudesse haver. Mas estão sedentas e não é porque lá em suas igrejas não há a
água viva, é porque dentro deles a fonte das águas não foi gerada por não terem
convertido-se a Jesus (também é claro que existem exceções em todos os casos!).
Não podemos
minimizar a situação por causa de ninguém, nem pelos adolescentes ou jovens,
nem porque alguns irmãos ou irmãs acham que a igreja deveria ser diferente,
mais “espiritual” ou outra coisa parecida. Igreja não é coisa de democracia,
nem de construção social – mesmo que não gostem disso – igreja tem um Dono, um
desenho, uma função e propósitos a cumprir na terra e tudo isso já veio pronto
na mente de Jesus. Se sou um adorador ou adoradora não tenho mais sede, já
estou saciado/a. Precisamos verdadeiramente crer na Palavra e experimentar a
água da vida que fez uma fonte inesgotável dentro de nós – se é que temos
Cristo em nós.
Segundo – adoração não é uma questão de localização. Nos versos 19
ao 21 conhecemos bem as palavras do Senhor quando disse que nem em Jerusalém
nem em Samaria seria o lugar da adoração. Não adoramos a Deus apenas na reunião
da igreja nos dias de cultos marcados, adoramos a Deus em casa, indo ao
trabalho, trabalhando, realizando as tarefas de casa, estudando, nos
relacionando com as pessoas e com o mundo que nos rodeiam adequadamente, na
família, nas festas de família, ouvindo e assistindo com cuidado cristão as
coisas oferecidas a nós como “boas”, com a mente equilibrada, com as emoções no
lugar, nas férias, nas viagens, enfim, em tudo o que fazemos ou fizermos
adoramos ao Senhor.
Paulo foi
preciso em escrever esta frase: “E tudo o que fizerdes por palavras e por ações
(obras), fazei em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” –
Colossenses 3.17. Sabe por que digo isto? Porque Paulo sabia que ninguém pode
glorificar ou adorar ao Senhor se não compreender que toda a sua vida está
envolvida nisso e que a adoração deixou de ser em um lugar específico como na
antiguidade, num templo, e agora todos os/as adoradores/as adoram em todos os
lugares. A reunião da igreja é o ápice desta caminhada de adoração que é feita
todos os dias e em cada lugar.
Terceiro – adoração é uma questão de conhecimento. No versículo 22,
Jesus diz à samaritana que a adoração é uma coisa de quem conhece o significado
disso, de quem conhece a fonte e o alvo de sua adoração. Adoração é conhecer a
quem adora e isso é muito sério, pois quando alguém não tem uma ideia clara,
bíblica e coerente sobre Deus e sobre Cristo, dificilmente poderá dar uma
adoração verdadeira. Todas as religiões e crenças do mundo têm um alvo de suas
venerações, canções, rituais e adoração, mas isso não significa que adorem ao
Deus criador, Único e Pai de nosso Senhor Jesus. A adoração que Jesus descreve
é a adoração feita pelo conhecimento adequado do Deus-alvo dessa mesma
adoração.
Jesus ainda
acrescenta o detalhe para a samaritana que “a salvação vem dos judeus” e isto é
significativo. Jesus é por natureza de nascimento um judeu, Ele poderia ter
vindo ao mundo em qualquer lugar, em qualquer época e nascido em qualquer
nação, mas escolheu (por ser preexistente) nascer e vir a Israel e a parti de
lá irradiar sua luz ao mundo. Ele colocou a nação de Israel como uma parte
central da história da redenção e da salvação e conectou a salvação, os judeus,
a adoração e o mundo numa história só. Quando adoramos fazemos isso porque
conhecemos Jesus, a história, a participação dos judeus e a nossa salvação que
está inserida em um contexto mais amplo na mente de Deus.
Quarto – adoração é coisa do espírito e no Espírito. Nos versículos
23 e 24 temos as declarações sobre adoração que mais conhecemos. Qual é a coisa
principal aqui? “Deus é Espírito”, essa é a chave. Se Deus é um ser espiritual,
apenas aqueles que são espirituais podem adorá-lo satisfatoriamente, mas aqui
jaz o problema: não somos espirituais como Deus o é, somos criaturas limitadas;
como poderíamos oferecer a esse Deus adoração correta? Ele mesmo providenciou o
caminho quando nos deu o Espírito Santo. O Espírito Santo em nós conhece o
caminho que leva à presença de Deus e Ele mesmo é a própria presença de Deus em
nós, os que cremos. Deus procura adoradores porque essas pessoas não existem em
abundância no planeta, são edição limitada!
Há sim, muito
barulho, muita gritaria, muita carnalidade, muitas expressões vazias de louvor.
Não pensem que sou crítico azedo do louvor de hoje, mas foi o próprio Jesus
quem disse: “esse povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de
mim” e “em vão me adoram...” (Mateus 15.8-9). Será que somos tão ingênuos em
pensar que essa realidade interior só aconteceu nos tempos bíblicos e hoje isso
não acontece mais? Creio que em todos os lugares existam verdadeiros
adoradores, mas também ao lado destes há os que fingem adorar ou o fazem por
conveniência – mas saber quem são e julgá-los não está em nosso poder, é algo
exclusivo de Deus. Adoração é para espirituais.
Quinto – adoração é uma revelação. Do verso 25 ao 29, a mulher está
perplexa com a presença e com as palavras de Jesus, e neste momento, está
pronta para que Jesus lhe conduza para águas mais profundas. Até aqui ela já o
reconhecera como um profeta – antes ela pensava que era um homem comum pedindo
água, mas viu após isso que se tratava de um profeta – e a samaritana lhe faz a
outra mais importante pergunta após questioná-lo sobre a adoração: quem é o
Cristo que viria? E Jesus lhe responde revelando-se a ela como o Messias
prometido. Ela acredita nisso e vai à cidade e conta aos outros sobre o seu
encontro com ele e diz ao povo: “Porventura não é este o Cristo?” Ela recebeu
em seu coração uma revelação. Jesus a levou paulatinamente a este ponto.
Uma revelação
de quem é Deus e de quem é Jesus é o que precisamos para dar a Ele verdadeira
adoração. Não é uma questão de assentimento mental, ou seja, de aceitar
mentalmente que Ele é, mas algo que se dá lá no mais profundo de nosso
espírito. Lá sabemos que Ele é o Cristo, o Messias, o Verbo que se fez carne, o
Deus conosco, lá em nosso âmago conhecemos aquele que é desde o princípio como
disse João (1 João 1.1). Adoração é uma revelação. Por isso me referi que
adoradores/as são uma edição limitada, pois a adoração nos termos de Jesus, só
se dá após um processo de envolvimento com Ele onde o fim é uma revelação sobre
Ele. Para que você não pense que isso é uma heresia, lembre-se da
transfiguração, da revelação de Pedro sobre o Cristo, do encontro de Paulo e
seu Evangelho, que ele mesmo disse ser uma revelação de Jesus e o Apocalipse de
João. Toda relação com Deus nas Escrituras apontam para uma revelação.
Sexto – adoração é alimento. Estes versículos do 31 ao 34,
normalmente não são relacionados por nós com o ato da adoração. Os discípulos trazem
comida para Jesus e pedem que Ele coma. Jesus ainda estava falando com a
samaritana quando chegaram. Então, o Senhor lhes diz que tem uma comida a comer
que os discípulos àquele momento não conheciam ainda e, posterior a isso, lhes
diz que o conteúdo dessa comida é a realização da obra e da vontade de Deus.
Isso tudo está conectado ao cenário de João 4 e ao contexto da adoração.
Portanto, podemos inferir sem prejuízo para o texto sagrado que a adoração é
uma questão básica da vida espiritual, ou seja, assim como o alimento está
relacionado com a vida das pessoas, porque sem ele não sobreviveríamos, a
adoração é a manutenção da vida de um cristão.
Se já temos
visto que a adoração não é apenas cantar músicas bonitinhas para Deus nem
somente ir a um lugar para nos reunir como igreja, mas se relaciona com tudo o
que fazemos por ações e por palavras colocando Deus e Cristo como o centro
dessas ações – como se estivéssemos fazendo para Ele – então, fazer a vontade
de Deus e realizar a sua obra fazem parte do escopo da adoração. A vida está
ligada a adoração, pois a adoração tem a ver com o ato de alimentar-nos em
Deus, de nos nutrirmos com tudo o que procede dEle e damos a Ele. Neste ponto,
a adoração não se torna algo banal, mas uma realidade concreta da vida humana
renascida. Talvez quando fazemos aquelas declarações como “eu nasci para te
adorar” ou “eu vivo para te adorar”, é possível que ainda não tenhamos uma
ideia mais clara do que dizemos.
Sétimo – adoração é participar de uma colheita. Jesus encerra o
quadro do encontro com a samaritana dizendo aos discípulos que eles estão
envolvidos em um tipo de colheita na qual eles não participaram da plantação,
que apenas estarão desfrutando dos benefícios do trabalho de outros. Isso é bem
interessante, considerando que o contexto ainda é o que envolve os fatos desse
encontro com a mulher, pois ainda o texto sagrado vai por mais 5 versículos
falar sobre os samaritanos e as ações daquela mulher, e, só depois de mais dois
dias, o Senhor toma a decisão de sair daquela região e ir à Galiléia. Porque
Jesus introduz esse assunto de colheita onde nos parece que não há nada que ver
“o trigo com o arroz”? Sabemos que Ele tem sempre algo em mente não é mesmo?
Em minha
percepção isso tem tudo a ver com a adoração no contexto que estamos aprendendo
– adoração também são obras realizadas para Deus – isso porque o encontro de
Jesus com a mulher samaritana propiciou o início da restauração de Deus no meio
do povo samaritano, que culminou com a ida do diácono e evangelista Felipe para
implantar uma igreja de Cristo naquela comunidade em Atos 8.1-25. Este ato de
Jesus abriu a porta para a salvação dos samaritanos que se concretizou alguns
anos depois de Sua ascensão. Compreendemos então, que adoração é um ato de
colheita, pois os discípulos iriam entender depois que eles colheriam almas em
Samaria não pelo seu trabalho de semear, mas pelo trabalho de Jesus com a
mulher e com alguns samaritanos em João 4. O próprio Pedro vai a Samaria e vê o
resultado do trabalho que ele não fez, mas estava colhendo. Quando adoramos a
Deus realizando a sua obra colhemos onde não plantamos. Aleluia!
Bom, é isso
que recebi pelo Espírito como entendimento sobre a adoração na ótica de Jesus.
Sei que há muito ainda a aprendermos e o assunto não está esgotado, mas já é um
começo. Para mim, a melhor imagem desse tipo de adoração está no livro de
Neemias, quando o povo precisou reconstruir o muro de Jerusalém e se proteger
ao mesmo tempo. Eles trabalhavam assim:
“Os que edificavam o muro, os que
traziam as cargas e os que carregavam, cada um com uma das mãos fazia a obra e
na outra tinha as armas.
E os edificadores cada um trazia a
sua espada cingida aos lombos, e edificavam; e o que tocava a trombeta estava
junto comigo.”
Neemias 4.17-18
Isso é uma
figura fortíssima da adoração. Pense nisso!
© C. K. Carvalho
20 de maio de 2014