quinta-feira, 23 de janeiro de 2014


OS FILHOS DE DEUS

No século XX, o alemão estudioso da Bíblia Rudolf Bultmann fez uma crítica intensa às Escrituras, argumentando que a Bíblia está cheia de referências mitológicas que devem ser removidas, a fim de ter alguma aplicação significativa para os nossos dias. A maior preocupação de Bultmann era com as narrativas do Novo Testamento, particularmente aquelas que incluem registros de milagres, que ele considerava impossíveis. Outros estudiosos, no entanto, afirmaram que também existem elementos mitológicos no Antigo Testamento. O ponto principal para este argumento é geralmente uma narrativa que alguns acreditam ser semelhante aos antigos mitos gregos e romanos sobre deuses e deusas ocasionalmente acasalando-se com seres humanos.

Em Gênesis 6, lemos este relato: “Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram...Ora, naquele tempo havia gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram valentes, varões de renome, na antiguidade” (versículos 1-4).

Esta narrativa é basicamente um prefácio para o relato do dilúvio que Deus enviou para erradicar todas as pessoas da terra, com exceção da família de Noé. Claro, a própria narrativa do dilúvio é frequentemente considerada como mitológica, mas esta seção preparatória, onde lemos sobre o casamento entre “os filhos de Deus” e “as filhas do homem”, é vista como mito flagrante.

O pressuposto nesta interpretação de Gênesis 6 é que “os filhos de Deus” referem-se aos seres angelicais. Por que alguns intérpretes bíblicos fazem essa afirmação? A resposta simples é que as Escrituras às vezes se referem aos anjos como filhos de Deus, e presume-se que a referência em Gênesis 6 signifique o mesmo. Esta é certamente uma possível inferência que se pode ter, mas é uma inferência necessária? Eu responderia que não, eu não acredito que esse texto necessariamente ensine sobre a ideia de relações sexuais entre anjos e seres humanos.

Para entender essa difícil passagem, temos que observar a aplicação mais ampla da expressão “filhos de Deus”. Predominantemente, ela é usada para se referir ao próprio Jesus, Ele é o Filho de Deus. Como se observa, às vezes, ela é usada para se referir aos anjos (Jó 1:6; 21:1; Salmo 29:1). Além disso, outras vezes, ela é usada para falar dos seguidores de Cristo (Mateus 5:9; Romanos 8:14; Gálatas 3:26). Assim, o conceito de filiação divina nas Escrituras não está sempre ligado a uma relação biológica ou ontológica (relação do ser). Pelo contrário, é principalmente utilizada para determinar uma relação de obediência. Isso significa que Gênesis 6 poderia estar falando simplesmente sobre o casamento entre aqueles que manifestam um padrão de obediência a Deus em suas vidas e aqueles que eram pagãos em sua orientação. Em outras palavras, esse texto provavelmente descreve casamentos entre crentes e não crentes.

O contexto imediato de Gênesis 6 dá suporte a essa conclusão. Após a narrativa da queda em Gênesis 3, a Bíblia traça as linhagens de duas famílias, os descendentes de Caim e os de Sete. A linhagem de Caim é contada em Gênesis 4 e mostra a proliferação da maldade, liderada por Lameque, que foi o primeiro polígamo (versículo 19) e que se alegrava com assassinatos e com o uso vingativo da espada (versículo 23-24). Em contraste está a linhagem de Sete, que é traçada em Gênesis 5, e mostra a justiça. Esta linhagem inclui Enoque, que “andou com Deus, e já não era, porque Deus o tomou para si” (versículo 24). Na linhagem de Sete nasceu Noé, que era “um homem justo e íntegro entre seus contemporâneos” (6:9). Assim, vemos as duas linhagens, uma obedecendo a Deus e a outra desobedecendo intencionalmente a ele.

Por isso, muitos estudiosos hebreus acreditam que Gênesis 6 não esteja descrevendo o casamento entre anjos e mulheres humanas, mas o casamento entre os descendentes de Caim e Sete. As duas linhagens, uma piedosa e a outra maligna, unem-se e, de repente, todo mundo se encontra na busca pelo mal, de modo que “era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (versículo 5). Nós não precisamos supor uma invasão da terra por anjos para dar sentido a esse capítulo.

Resolver as dificuldades de interpretação de Gênesis 6 nos traz à memória que devemos ser muito cuidadosos com as inferências feitas a partir das Escrituras que não são necessariamente garantidas. Os termos descritivos “filhos de Deus” e “filhas dos homens” não nos dão o direito de supor uma interação entre seres celestiais e seres terrestres. Temos que ter muito cuidado quando olhamos para um texto difícil como esse, para analisarmos como a linguagem é usada em um contexto mais amplo da Escritura. É um princípio muito importante saber que a Escritura deve ser interpretada pela Escritura.

R. C. Sproul
R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. É ministro presbiteriano, pastor da igreja St. Andrews Chapel, na Flórida.

Editora Fiel – Ministério Fiel

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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O amor prático de Jesus, o antídoto para a violência

Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis?...
Mateus 5.43-46


Este texto está inserido no famoso Sermão da Montanha de Jesus. Entre tantas outras máximas de vida, de comportamento adequado e de relacionamentos, encontramos pérolas como essa. Eis aqui o remédio contra toda a forma de violência no mundo, eis aqui o antídoto para esse veneno que mata milhões de seres humanos por ano: o amor prático.

Este não é aquele amor jargão que é veiculado diariamente nos meios midiáticos ou liberado como fonte de anseio por aqueles que apenas propagam “um mundo melhor” e nem o tipo de amor libertino no qual certas pessoas desejam “libertar” toda a sua libido sexual sem serem limitadas por algum freio moral.

O amor ensinado por Jesus não é um sentimento que se obscurece pelas circunstâncias quando elas não são favoráveis. Seu amor é pleno, amplo e tem o poder de alcançar por ações concretas até mesmo os que não nos desejam o bem ou nos odeiam.  Nietzsche (1844-1900) diria que esse tipo de amor é uma fraqueza, mas ele estava errado e ele nem viu os horrores das duas grandes guerras mundiais, tampouco a violência endêmica de nossos dias.

Hoje todos nós clamamos pela paz e lutamos como podemos contra a violência qualquer que seja. Hoje sabemos que precisamos do tipo de amor pregado por Jesus na vida diária de cada ser humano com a finalidade de frear a escalada da violência que não para de crescer. Sem esse tipo de amor prático, toso o resto é apenas discurso vazio e desprovido de poder de mudança e de transformação.

A seleção natural dá suporte conceitual a esse tipo de violência, pois somente o mais forte sobrevive, mas nenhum de nós em sã consciência aceitaria essa declaração como uma verdade, pois ninguém deseja viver em um mundo com medo e dominado pelas formas de violência que vemos. A solidariedade e a continuidade da vida são simbiontes e essa simbiose é regada pelo amor prático, sem isso, a destruição das sociedades é certa.

Encontramos violência nas formas religiosas extremistas, encontramos violência nos governos humanos, nas mais diferentes classes, nas tribos mais primitivas, nas sociedades mais socialistas, comunistas ou capitalistas, a violência é encontrada nos ateus e em sua militância e nas ideologias de todos os modelos. Em todo lugar a vemos manifestar-se disfarçada ou abertamente.

Tenho total confiança que toda essa violência teria um fim se todos nós resolvêssemos viver o amor prático que Jesus nos ensinou. Não estou ingenuamente acreditando em um mundo de conto de fadas onde no final “viveremos felizes para sempre”, e não digo que, mesmo num mundo governado pelo amor prático, não houvesse crimes ou lutas das mais diversas, penso que essas lutas e guerras seriam em grande escala minimizadas, e, em certos casos, jamais aconteceriam.

Também é claro que não conseguiremos agradar a todas as pessoas e não sentiremos atração ou aceitação por outros por diversos motivos, pessoais ou culturais, mas isso não significa que o respeito pela vida do outro não seja o árbitro nestes casos. Não concordaremos com tudo aquilo que outros possam acreditar nem é necessário anular as opiniões pessoais que temos, mas podemos divergir sem violência.

Como cristão, tenho opiniões formadas sobre diversos assuntos da vida e do comportamento, assim como outros grupos as têm, porém, não posso ser desmerecido ou insultado porque meus conceitos são diferentes dos outros e porque eles vão contra as crenças ou certo estilo de vida diferente de alguém. Não posso ser calado, tanto quanto não posso calar a ninguém. Num mundo de liberdades, não posso ser proibido de manifestar minhas crenças a quem quer que seja, mas neste mesmo mundo, não posso obrigar ninguém a converter-se à minha fé.

A violência jamais será cessada ou exterminada por atos executivos, leis ou emendas constitucionais, ela só perderá o seu poder destrutivo quando reconhecermos a necessidade de viver este amor prático ensinado por Jesus. Aí perceberemos com provas inquestionáveis que os princípios espirituais do cristianismo de Cristo são a resposta que o mundo tanto anseia e não vê.

Pensem nisso!

© Carlos Carvalho

22 de janeiro de 2014

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014




A VIDA SE IMPÕE

As imagens são das pequenas plantas que estão crescendo no estreitíssimo espaço entre o piso e os trilhos do portão de minha casa. Quando se abre o portão, elas ficam espremidas entre as duas partes que o compõe. Quando as vi hoje, não me contive e precisei fotografá-las, porque essa frase me veio à mente: “a vida se impõe”.

Não importa o quão inóspito seja o local no planeta Terra, lá está a vida. Mesmo após catástrofes e enormes tragédias, lá está a vida. Até mesmo após eventos de contaminação nucleares ou do solo, a vida ressurge. Nos lugares mais improváveis que possamos imaginar no globo, a vida em alguma escala está por lá.

Nosso planeta foi adaptado à vida e nos dá provas disso constantemente. Se pensarmos em termos humanos, vemos como a vida se propaga, se adapta e floresce, mesmo após guerras, tormentas, tornados, furacões, tsunamis ou terremotos, a humanidade ainda está viva e vivendo. É incrível, não importa o que aconteça, a vida se impõe.

Como não respeitar isso? Como não admirar tal façanha colossal? Como não ficar boquiaberto com tamanha demonstração de resistência? Faz-me lembrar da promessa divina em Gênesis 9, que mesmo após o dilúvio, resolveu manter a vida das próximas gerações:

21  E o SENHOR sentiu o suave cheiro, e o SENHOR disse em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz.
22  Enquanto a terra durar, sementeira e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão.

© Carlos Carvalho

5 de janeiro de 2014

domingo, 5 de janeiro de 2014

EVANGELHO É COMPROMETIMENTO TOTAL DA VIDA

32  Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus.
33  Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus.
34  Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada;
35  Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra;
36  E assim os inimigos do homem serão os seus familiares.
37  Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.
38  E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim.
39  Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á.
Mateus 10

Esta é uma daquelas partes indigestas do Evangelho de Jesus. Ele nos chama e nos convoca a um comprometimento total de nossa vida com ele e com sua mensagem, sem permitirmos que nada seja mais importante que isso. Para algumas pessoas inconstantes e frágeis nos conceitos de fidelidade e compromisso vital, essas exigências podem parecer brutais, principalmente para os que estão mergulhados na filosofia de vida pós-moderna.

É em certo nível irritante perceber como alguns pseudocristãos[1] pensam que o Evangelho pode ser vivido sem esse grau de comprometimento e considerar que talvez esse tipo de diretriz não faça mais parte da maneira pela qual devemos honrar a Deus e a Jesus. O “amor” que facilmente se desviou para outras direções e coisas são claros indicativos de que alguém não é um seguidor de Cristo, mas um apóstata[2]. Pode parecer duro este discurso, mas os tempos não nos favorecem.

Mesmo diante de um ano bom, de um período de tempo cheio de promessas da parte de Deus, não devemos nos descuidar de nossa vida espiritual e da seriedade que envolve o nosso compromisso com Cristo Jesus e com a Palavra de Deus. É certo que estamos também vivendo sob a sombra dos últimos dias e do princípio das dores e não podemos desconsiderar os avisos do Senhor acerca dessas coisas (Mateus 24 e 2 Timóteo 3).

A todos desejo um excelente Ano da Porção Dobrada, com comprometimento total de suas vidas com o reino de Deus, com sua palavra e com seu Cristo.

© Bp. Carlos Carvalho
Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional
Janeiro de 2014



[1] Pseudocristão. Em qualquer dicionário encontraremos uma definição mais ou menos assim: cristão que não cumpre as suas obrigações religiosas. Indivíduo cuja lei religiosa não é rigorosamente a cristã. http://aulete.uol.com.br/pseudocrist%C3%A3o#ixzz2pXHqvgIJ

[2] Veja uma palavra sobre apostasia logo abaixo.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

APOSTASIA

Apostasia é o termo técnico que descreve a heresia grave e destruidora de almas, que surge dentro da igreja. Está estreitamente ligada com a palavra grega para “divórcio” e também significa abandono, separação e deserção, ou seja, a abdicação total da verdade.

O apóstata é um desertor da verdade – alguém que conheceu a verdade, demonstrou concordar com ela e, talvez a tenha proclamado durante algum tempo – mas, por fim, rejeitou-a. o apóstata pode continuar fingindo que crê na verdade e que a proclama, mas, na realidade, se opõe a ela e a subverte.

Ele é um traidor da fé e, secretamente, um inimigo na guerra pela verdade. Porém, ele deseja que todos pensem o contrário. A maioria dos apóstatas procura permanecer na igreja e, de modo ativo, busca aceitação do povo de Deus, mas tudo o que fazem subverte a fé e corrompe a verdade, tornando-se um perigo grave para a saúde espiritual do rebanho, por isso Jesus os comparou com lobos roubadores disfarçados de ovelhas (Mat.7.15).

Alguns apóstatas são ousados e agressivos, e sem rodeios em sua oposição à verdade, mas a maioria deles são mais sutis. Parecem amáveis, benignos ou modestos, todavia são invariavelmente impulsionados por motivos malignos e de engrandecimento pessoal. Muitos deles realmente imaginam que estão servindo a Cristo, quando na realidade, estão se opondo a Ele.

São como sementes que brotam em solo raso ou repleto de ervas daninhas. Revelam sinais prodigiosos de vida durante algum tempo, mas no fim, a sua própria superficialidade ou mundanismo torna impossível que a Palavra de Deus crie raízes neles. Qualquer que seja sua aparência temporária de vida espiritual que possam demonstrar, são incapazes de produzir frutos verdadeiros, por isso apostatam.

Pois certos homens, cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês. Estes são ímpios, e transformam a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor. [...]
De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades em redor se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais. Estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de exemplo.
Da mesma forma, estes sonhadores contaminam seus próprios corpos, rejeitam as autoridades e difamam os seres celestiais. [...]
Todavia, esses tais difamam tudo o que não entendem; e as coisas que entendem por instinto, como animais irracionais, nessas mesmas coisas se corrompem.
Ai deles! Pois seguiram o caminho de Caim, buscando o lucro, caíram no erro de Balaão e foram destruídos na rebelião de Corá.
Esses homens são rochas submersas nas festas de fraternidade que vocês fazem, comendo com vocês de maneira desonrosa. São pastores que só cuidam de si mesmos. São nuvens sem água, impelidas pelo vento; árvores de outono, sem frutos, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz.
São ondas bravias do mar, espumando seus próprios atos vergonhosos; estrelas errantes, para as quais estão reservadas para sempre as mais densas trevas. [...]
Essas pessoas vivem se queixando e são descontentes com a sua sorte, seguem os seus próprios desejos impuros; são cheias de si e adulam os outros por interesse. [...]
Estes são os que causam divisões entre vocês, os quais seguem a tendência da sua própria alma e não têm o Espírito.

Epístola de Judas v. 3-19 (NVI)

© Carlos Carvalho
Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional

Referências:
A Guerra pela Verdade. John MacArthur. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2008. pgs. 74-75.

Nova chave linguística do Novo Testamento Grego. Haubeck & von Siebenthal. São Paulo: Targumin: Hagnos, 2009. p. 1165.