Outra perspectiva sobre a tentação de Jesus
As tentações que os
seres humanos ainda não conseguiram vencer
E Jesus, cheio do Espírito Santo,
voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto;
E quarenta dias foi tentado pelo
diabo, e naqueles dias não comeu coisa alguma; e, terminados eles, teve fome.
E disse-lhe o diabo: Se tu és o Filho
de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão.
E Jesus lhe respondeu, dizendo: Está
escrito que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus.
E o diabo, levando-o a um alto monte,
mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo.
E disse-lhe o diabo: Dar-te-ei a ti
todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem
quero.
Portanto, se tu me adorares, tudo
será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
Vai-te para trás de mim, Satanás; porque está escrito: Adorarás o Senhor teu
Deus, e só a ele servirás.
Levou-o também a Jerusalém, e pô-lo
sobre o pináculo do templo, e disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te
daqui abaixo;
Porque está escrito: Mandará aos seus
anjos, acerca de ti, que te guardem,
E que te sustenham nas mãos, Para que
nunca tropeces com o teu pé em alguma pedra.
E Jesus, respondendo, disse-lhe: Dito
está: Não tentarás ao Senhor teu Deus.
E, acabando o diabo toda a tentação,
ausentou-se dele por algum tempo.
Lucas 4:1-13
Já preguei,
ensinei e escrevi várias vezes nos últimos 18 anos sobre o texto da tentação
que passou Jesus nos quarenta dias que esteve no deserto. Convém dizer de
início que o primeiro versículo já nos coloca em perspectiva qual é a única
maneira de passar por esta circunstância e vencê-la adequadamente: estar cheio
do Espirito Santo. É neste Espírito que o Senhor Jesus, como homem, nos fornece
a chave de como vencer as tentações.
Estar cheio do
Espírito Santo é muito mais do que experimentar algumas das facetas espirituais
pentecostais atuais, com gritos, rodopios e profecias aleatórias de cunho geral
sobre a vida dos frequentadores deste tipo de culto. Ser cheio do Espirito
Santo é também ir além dos “caixotes” teológicos não-espirituais que
encontramos nos meios mais tradicionais com a capa e a forma superficial de
doutrina cristã reformada ou afins.
Ser cheio do
Espírito é tomar o exemplo de Jesus, que recebeu a presença do Espírito Santo
de forma inequívoca e, ao mesmo tempo, foi capacitado para inclusive, enfrentar
as mais difíceis provações, mas ao final delas, manifestou o poder real do
Espírito nas vidas das pessoas que o cercavam, revelando as Escrituras,
curando-os e libertando-os (a narrativa vai até o final do capítulo).
Quero
apresentar nos próximos parágrafos outra abordagem sobre o texto e procurar
mostrar as tentações por outros caminhos que ainda não tentei. Chamei essa
minha nova aproximação da narrativa de Lucas de “Tentações ainda não vencidas
pelos seres humanos” por um simples motivo: embora Jesus as tenha vencido
magistralmente e nos dado as armas espirituais para vencê-las também, o
contrário disso é o que mais temos visto na história humana geral.
Primeira tentação ainda não vencida:
A tentação de mudar a natureza das coisas.
Satanás mostra uma pedra a Jesus e diz para ele transformá-la em pão, visto que
sabe que o Senhor está com fome. Jesus e Satanás sabem que o poder de
transformas a matéria é de prerrogativa do Criador, o próprio Cristo vai
demonstrar essa poder no casamento em Caná, transformando a água em vinho, mas
aquele não é o momento para isso. Jesus recusa fazê-lo e profere que a Palavra
de Deus também serve de alimento ao homem, mesmo quando este não tem a
perspectiva da satisfação imediata de seu desejo básico, como o de se
alimentar.
Mesmo tendo o
poder de fazer com que as pedras se transformem em pães Jesus não o usa, pois
sabe que essa estratégia de facilitar as coisas ou de mudar a natureza delas é
própria dos conselhos do maligno desde o Éden. Lá ele já havia desafiado Eva a
aceitar o fato de que se comesse a fruta da escolha, ela e o marido teriam sua
natureza alterada para a divina, conhecendo como Deus, o bem e o mal. É isso
que subjaz a artimanha do inimigo, a tentativa de nos convencer que podemos
alterar a natureza de tudo, mesmo a das inalteráveis.
Quero dizer
com isso, que muitas vezes somos convencidos que por conta dos novos tempos,
devemos mudar o enfoque de nossa pregação para ser mais aceitáveis à nossa
geração. Que não é preciso mencionar as verdades mais duras do evangelho, como
a realidade do inferno e do julgamento final, para que atraiamos mais pessoas
ao culto. Que é necessário suprir as demandas do povo pecador para mantê-los na
igreja a qualquer custo, mesmo que custe a sã doutrina ou a santidade.
Do outro lado,
o ser humano tenta constantemente mudar a natureza das coisas, sem perceber os
prejuízos morais, sociais e espirituais que isso traz. Tentam mudar os
princípios da família para caber em suas novas formas mais liberais de
relacionamentos. Tentam mostrar que a homoafetividade é coisa natural e todos os
tipos de práticas sexuais são igualmente aceitáveis desde que sejam cobertos ou
abrangidos por sua definição de “amor”. Tentam mudar os conceitos de verdade,
ética e moral para que se ajustem à sua maneira de viver sem Deus.
Segunda tentação ainda não vencida:
A tentação de controlar e manipular as
pessoas. O Diabo mostra os reinos do mundo e sua glória e oferece a
oportunidade de governá-los e controlá-los pela bagatela de Jesus
“simplesmente” se ajoelhar e adorar a ele. Em minha frágil opinião, acredito
que esta tentação em relação a Jesus foi muito fraca e ridícula por parte do
inimigo, mas ele não deixou de tentar. Porque digo isto? Porque Jesus é o Verbo
de Deus, e como participante do momentum
criativo, nada no universo o faz aspirar de desejo, pois Ele criou todas as
coisas. Foi meio infantil de Satanás essa tentação.
Mas em relação
aos humanos, a coisa muda drasticamente. Desde que o homem passou a viver em
comunidade ele tenta se sobressair aos outros e poucos tentam controlar muitos.
Da primeira cidade construída até as civilizações mais avançadas atualmente os
seres humanos desejam o controle sobre os outros. Foi assim com os sumérios,
egípcios, babilônicos, medos, persas, gregos, romanos, com o catolicismo
medieval e com as nações da primeira e da segunda guerra mundial. Desde a queda
o homem deseja controlar o próximo.
É assim hoje
com os chamados “formadores de opiniões”, mais vazios que seus seguidores; com
os “ídolos” dos esportes, da música, da TV e do cinema, que salvo as raras
exceções, também são um mix de “nada
com nenhuma coisa”; é assim na Academia, onde alguns reprodutores e repetidores
de conceitos inexpressivos de outros se arrogam superiores aos “alunos” que
nada sabem e só conhecem o “senso comum”. Infelizmente é assim na igreja, onde
alguns que conseguiram ascender entre os demais se consideram os maiorais entre
nós. A humildade do Carpinteiro e do Cordeiro foi esmagada pelos pés destes
“grandes homens de Deus”.
Esta é uma
tentação que para os seres humanos é tão difícil quanto as outras. É claro que
o mundo, as organizações necessitam de líderes e as organizações religiosas
precisam de sacerdotes. Porém, o caso aqui não é uma questão de liderança
corporativa ou espiritual, mas de usurpadores desse poder e lugar legítimos com
o agravante de prejudicar ou destruir a vida de muitos outros que se colocam ou
foram postos debaixo dessas influências. O perigo é o de transformar a
liderança que deveria benéfica e libertadora em uma ditadura pessoal e
manipuladora.
A terceira tentação não vencida:
A tentação de usar a fé e a religião para
desejos egoístas. Satanás leva Jesus à parte mais alta do Templo, e para
mim isso é muito sugestivo. De lá, ele cita um texto bíblico do Salmo 91
isolado de todo o seu contexto de amor e obediência a Deus, e o incita a pular
para que o texto se cumpra na íntegra. É impressionante a maneira como o Diabo
faz esta última tentativa. Ele sabe que Jesus é o Filho de Deus, sabe que Jesus
crê literalmente na Palavra de Deus, pois ele mesmo é a expressão viva dela, e
Satanás a usa contra o próprio Cristo, sem titubear.
A questão aqui
está em torno do Templo, portanto do lugar de culto a Deus naquela época, de
seus costumes religiosos e de como a relação da pessoa com a adoração a Deus
está diretamente conectada com o tipo de vida que ela leva. Ao mesmo tempo, está
relacionada com a fé pessoal daquele que resolveu crer em Deus e em sua Palavra
e de como essa fé pode ou não trazer resultados por aquilo que a Palavra
expressa como sendo a verdade de Deus.
Isto significa
que no âmbito religioso – e isso é particularmente para os seres humanos que se
relacionam com a religião – a tentação se apresenta como a maneira que lidamos
com a fé e com os nossos desejos pessoais. Isto tem desdobramentos sérios, pois
se não controlarmos os nossos desejos egoístas, poderemos, por causa deles,
tentar criar alternativas não aceitáveis a Deus, não éticas e morais para
Jesus, mas que façam com que alcancemos os nossos objetivos pessoais a qualquer
preço.
Devo dizer que
a fé é poderosa, que a fé que vem de Deus remove montanhas e árvores do lugar,
que liberta as pessoas das possessões, que cura as enfermidades mais graves,
que ela nos faz prósperos na vida pela obediência aos princípios divinos e que
ao final, nos levará à eternidade com Ele (como diz nas Escrituras). Todavia, a
fé usada no ambiente de culto com finalidades egoístas e com objetivos ocultos
de manipulação e engano contra aqueles que creem é de origem satânica. E por
isso deve ser exorcizada de nosso meio.
Finalizo
dizendo como comecei que, sem o Espirito Santo vivendo realmente em nós, nos
capacitando diariamente para enfrentarmos as tentações e nos alimentando do seu
fruto que nos transforma na imagem do Filho de Deus, Jesus, certamente iremos
afundar nas areias movediças das tentações ainda não vencidas pelos homens e
mulheres que insistem em viver sem Deus.
Soli Deo gloria!
© Carlos Carvalho
Teólogo e Pr. Sênior da
Comunidade Batista Bíblica