Pena de Morte e os
Fundamentos Bíblicos
3 Porque os magistrados não são para temor, quando se
faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o
bem e terás louvor dela,
4 visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem.
Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a
espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.
5 É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente
por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência.
Aos romanos, capítulo
13.
Fomos surpreendidos neste último fim
de semana (18/01/2014) com um fato histórico negativo para nossa nação: O
primeiro brasileiro que foi executado em outra nação por pena capital[1].
Ele foi fuzilado pelo crime de tráfico de drogas, pois tentou entrar na
Indonésia com mais de 13 kg de cocaína em 2011. Todas as tentativas de se
impedir sua execução por parte de nosso governo aparentemente foram esgotadas e
o brasileiro foi morto na tarde do sábado em nosso fuso horário. Há mais um
brasileiro no corredor da morte daquele país condenado pelo mesmo crime.
Como pensar biblicamente sobre
esse assunto? É possível encontrar algum fundamento ou entendimento nas
Escrituras a respeito deste tema tão assustador para o mundo ocidental? Como
responder adequadamente às questões levantadas pelos Direitos Humanos e pela
soberania das Nações-Estados? Até onde é o limite que determina que uma vida
possa ser punida com a morte por parte de um governo legítimo sobre um povo? As
respostas não podem ser simplistas!
A Antiguidade
É ponto sem discussão que por
toda a Antiguidade a pena de morte era imposta aos transgressores da ordem
social de cada povo. O Código de Hamurabi (século 18 a.C.), o mais antigo
documento de leis e direitos conhecido da história humana, menciona a pena
capital para diversos crimes, como por exemplo, para a difamação por engano,
por arrombamento de uma casa, por incesto, por roubo e a famosa Lei Talião em
alguns aspectos dela.[2]
A Torà – o conjunto dos primeiros
cinco livros da Bíblia – também descrevia a pena capital para os diversos
crimes de sua época. A Torá, embora compilada aparentemente em dois períodos
diferentes – os primeiros quatro livros são de cerca de 1400 a 1200 a.C. e o
Deuteronômio parece ser de data posterior[3] –
prescreve aspectos da Lei de Talião punidos com a morte e diversos outros
crimes com a mesma punição. Só pra citar uma das listas, podemos verificar que
no Levítico, capítulo 20, há a pena capital para crimes como:
·
Consagrar ou oferecer filhos a outro deus.
·
Amaldiçoar o pai ou a mãe.
·
Adultério.
·
Incesto.
·
Homossexualismo.
·
Sexo com animais.
·
Consultar os mortos e adivinhação.
Portanto, a pena de morte era
instituída na Antiguidade e aceita com certa normalidade por parte das pessoas
da época. Isso nunca foi problema para os povos antigos. Os únicos que
certamente se oporiam a essa sentença eram os condenados. Não é difícil
perceber que qualquer pessoa condenada por qualquer crime que seja, até os
nossos dias, considerará que sua punição foi maior do que ele ou ela merecia.
Mesmo que na lista dos Dez
Mandamentos encontremos a expressão “Não matarás”, em outros textos, como o
mencionado acima, prescrevem a pena capital. Isso se dá por simples motivo: não
era aceitável que uma pessoa matasse alguém ou fizesse justiça com as próprias
mãos – desde a antiguidade – isso era papel do Estado ou dos governos locais. A
única exceção à regra era o estado de guerra[4],
onde o indivíduo pode matar a outrem sem qualquer punição sobre ele, e isso vigora
até os nossos dias.
Qual era ou
ainda é o objetivo da pena de morte? 1) O de estabelecer ordem e controle
social evitando que crimes aconteçam, tentando impor medo aos infratores, 2)
impor o medo nos concidadãos no caso de ditaduras ou governos autocráticos e 3)
combater duramente os crimes considerados gravíssimos por parte das leis civis
ou das regras sociais pelas quais vivem um grupo de pessoas. Em todos os casos,
a ideia de coibir severamente os que atentam para a ordem social de um povo
está implícita, mesmo que em certas circunstâncias, na prática, isso não seja
verdadeiro[5].
De Cristo aos nossos dias
É uma missão impossível encontrar
nos textos do Novo Testamento uma menção específica e clara que argumente
contra a pena de morte impetrada pelo Estado, Império ou Monarquia qualquer.
Isso se dá porque os cristãos, até o advento da era moderna[6], sempre
viveram sob a égide de monarquias ou impérios. Embora a semente da “libertação”
ou da mudança de regimes tivesse sido plantada bem antes do Iluminismo[7],
lá pelo tempo da Reforma Protestante no século XVI, ainda assim, a
transformação do Ocidente foi lenta.
O cristianismo nasceu dentro do Império Romano no primeiro século de
nossa era e nele encontrou terreno fértil para a sua expansão. Quando Jesus
nasceu e posteriormente pregou sua mensagem evangélica, Roma dominava sobre
todo o mundo civilizado, exceto o quase desconhecido reino remoto do Oriente[8].
Portanto, deste ponto e por toda a chamada Idade Média, os cristãos estiveram
sob governos que possuíam a pena de morte.
O que encontramos das narrativas dos Evangelhos? João, o Batista foi
decapitado por ordem de um governador local (Mat. 14.1-12), Jesus foi morto por
pena capital declarada por um governador romano (Mar. 15.1-15), Pedro e Paulo
foram mortos por execuções sumárias por ordem de Nero, segundo Eusébio de
Cesaréia[9]
(270 – 339 d.C.), historiador cristão. Todos os apóstolos, exceto João, foram
vitimados por pena capital, além de todos os cristãos perseguidos no Império
Romanos até 303 d. C., também vítimas de pena de morte das mais variadas.
John Fox escreveu um compêndio sobre as perseguições sofridas pelos
cristãos no mundo desde a primeira iniciada por Nero em 67 d.C. até os seus
dias finais em 1587. Em seu livro[10],
ele descreveu minuciosamente, tanto quanto possível, os requintes de crueldade
utilizados pelos detentores do poder no mundo, contra os cristãos, ao serem
vítimas da pena de morte. Ele também descreveu o poder da Inquisição católica
como parte deste modo de punição estatal.
Se superficialmente analisarmos o caso do Brasil, veremos que a pena de
morte vigorou no Brasil no período colonial e no império, e foi abolida com a
Proclamação da República, em 1889. Até então, as penas eram executadas
principalmente por fogueira, esmagamento, decapitação, fuzilamento,
eletrocução, garrote vil, apedrejamento e enforcamento[11].
Tiradentes foi um dos mais famosos executados por pena capital – enforcamento -
no Brasil[12]. Mas não se deve
esquecer que em outros períodos posteriores a pena capital retornou por conta
da ditadura do governo militar de 1969 até ser abolida em definitivo pela
constituição de 1988[13].
Concluindo
Aqui temos a parte mais difícil e certamente a mais polêmica e
complicada de todas. Tratamos apenas de forma descritiva os fatos históricos,
mas, a partir daqui, entramos em ambiente mais sério, por se tratar de assunto
que não pode ser trabalhado levianamente nem por comoção pessoal ou popular.
Assevero, para que os leitores sejam tranqüilizados, que as próximas linhas são
fundamentalmente meu pensamento após a análise do pesquisado até este ponto.
Em nenhum lugar do Novo
Testamento há a indicação específica de que o Estado não tenha o direito ou não
possa executar a pena de morte. Ao contrário disso, o texto base do artigo, a
carta de Paulo aos romanos, descreve exatamente que o Estado detém o poder “da
espada”, ou seja, de executar a punição que lhe convier pelos crimes cometidos
por seus cidadãos. Por isso nem Jesus, nem os discípulos tiveram qualquer
problema em considerar certo ou errado a punição por pena capital. Haja vista
que os cristãos dos primeiros séculos tinham como honra o morrer por amor a
Cristo, mesmo que por sentença de morte (João 21.19).
No sentido inverso, não há
igualmente, nenhuma ordem escrita ou indicação que um cristão, e, por
conseguinte, um Estado cristão, deva executar a pena de morte em um criminoso.
Ao contrário, o centro nevrálgico do cristianismo é o amor ao próximo ordenado
por Jesus (João 13.34), e, por isso, a vida se constitui no bem mais precioso
do indivíduo (Mat.6.25), portanto, ela é sagrada. Em última instância, Deus é o
único juiz sobre a vida e a morte para o cristianismo (Heb. 12.23 / Atos
10.42).
A Constituição brasileira veta
terminantemente a possibilidade de pena de morte nos nossos dias. No artigo 5º,
inciso XLVII, declara literalmente que não haverá pena de morte, salvo em caso
de guerra declarada, e tampouco haverá penas perpétuas[14].
Para todos os efeitos, nosso país é contrário à pena de morte por Lei Pétrea ou
Lei Maior, a sua Constituição. Isso nos deixa apenas com o desejo popular ou
com a opinião particular, mas nos impossibilita de estabelecer penas capitais,
a não ser por um golpe de Estado.
Finalmente, observo que, como
cristãos, levando em consideração todas as informações anteriores, de forma
peremptória, é possível asseverar ao menos duas coisas:
1) Para
cristãos que vivem em países ou regiões onde a pena de morte é ordenada pelo
Estado ou governo local, não se exige dele (deste cristão) que negue a validade
soberana do poder constituído, sob quaisquer pretextos, mesmo que seja defensor
consciente dos direitos humanos. Isso significa que o fato do cristão ser
absolutamente contrário à pena de morte, não o autoriza a se insurgir contra o
Estado que a mantém, a não ser pelas vias legais.
2) Para
os que vivem em países como o nosso, onde a pena de morte é vedada o seu
estabelecimento por Carta Magna, este discurso se alinha com os princípios
fundamentais do cristianismo, da valorização da vida acima de tudo, e não somos
autorizados pelas Escrituras neotestamentárias a sequer mencionar a
possibilidade de fomentar a pena capital na nação.
Por isso, sou a favor da prisão
perpétua para crimes hediondos e homicídios dolosos e do cumprimento total das
penas por parte dos condenados, sem comutação ou redução de um dia sequer do
tempo determinado em lei para a punição dos crimes. Sou a favor da dignidade
moral e física dos detentos, mas não de transformar as cadeias e presídios em
centros de convivência para ninguém, pois o criminoso precisa saber de todas as
maneiras que o crime não compensa. Sou favorável aos Direitos Humanos como
descritos pela ONU[15],
mas que eles se apliquem em primeiro lugar às famílias vitimadas pelos
criminosos antes mesmo que aos próprios infratores.
Carlos Kleber Carvalho
Teólogo, Cientista Social, Fundador da ONG ABAN Brasil e Pr.
Sênior da Comunidade Batista Bíblica
[1]
Brasileiro é executado por fuzilamento
na Indonésia. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/204483-brasileiro-e-executado-por-fuzilamento-na-indonesia.shtml
[2] Código de Hamurabi. Fonte: The
Eleventh Edition of the Encyclopaedia Britannica, 1910
pelo Rev. Claude Hermann Walter Johns, M.A. Litt.D. Texto em Word.
pelo Rev. Claude Hermann Walter Johns, M.A. Litt.D. Texto em Word.
[3]
MERRIL, Eugene H. Teologia do Antigo
Testamento. São Paulo: Sheed Publicações, 2009, p.321.
[4] A
atuação do Poder Judiciário na vigência do Estado de Sítio. http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3714/A-atuacao-do-Poder-Judiciario-na-vigencia-do-Estado-de-Sitio
[5]
Em ditaduras e governos autocráticos ou teocráticos, os casos de pena capital
não servem às propostas de trazer ordem social ou coibir severamente crimes
graves, mas sim, eliminar os insurgentes ou contrários, criando um ambiente de
medo e terror na população.
[6] Muitos
historiadores fixam a data do nascimento da era moderna com o advento do
Iluminismo, logo após a Guerra dos Trinta Anos na Europa (1618-1648).
[7]GRENZ,
Stanley J. Pós-modernismo: um guia para
entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 17.
[8]TENNEY,
Merrill C. O Novo Testamento: sua origem
e análise. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 31.
[9]História Eclesiástica. Eusébio de
Cesaréia. São Paulo: Novo Século, 1999. p. 73.
[10]
FOX, John. O Livro dos Mártires.
Publicado em português pela CPAD. Rio de Janeiro, RJ, 2002.
[11]Pena de morte: O último enforcamento no
Brasil. Disponível em: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/21/artigo143996-1.asp.
[12] Tiradentes. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes.
[13] Quem foi o último condenado à morte no
Brasil? Super Interessante, abril/2004. Disponível em: http://super.abril.com.br/cotidiano/quem-foi-ultimo-condenado-morte-brasil-444449.shtml.
[14]
Constituição da República Federativa do Brasil. Imprensa Oficial. São Paulo,
2013.
[15]
Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Disponível em: http://www.dudh.org.br/definicao/documentos/