terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Pena de morte e os Fundamentos Bíblicos


Pena de Morte e os Fundamentos Bíblicos

3 Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,
4 visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.
5 É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência.
Aos romanos, capítulo 13.

Fomos surpreendidos neste último fim de semana (18/01/2014) com um fato histórico negativo para nossa nação: O primeiro brasileiro que foi executado em outra nação por pena capital[1]. Ele foi fuzilado pelo crime de tráfico de drogas, pois tentou entrar na Indonésia com mais de 13 kg de cocaína em 2011. Todas as tentativas de se impedir sua execução por parte de nosso governo aparentemente foram esgotadas e o brasileiro foi morto na tarde do sábado em nosso fuso horário. Há mais um brasileiro no corredor da morte daquele país condenado pelo mesmo crime.

Como pensar biblicamente sobre esse assunto? É possível encontrar algum fundamento ou entendimento nas Escrituras a respeito deste tema tão assustador para o mundo ocidental? Como responder adequadamente às questões levantadas pelos Direitos Humanos e pela soberania das Nações-Estados? Até onde é o limite que determina que uma vida possa ser punida com a morte por parte de um governo legítimo sobre um povo? As respostas não podem ser simplistas!

A Antiguidade

É ponto sem discussão que por toda a Antiguidade a pena de morte era imposta aos transgressores da ordem social de cada povo. O Código de Hamurabi (século 18 a.C.), o mais antigo documento de leis e direitos conhecido da história humana, menciona a pena capital para diversos crimes, como por exemplo, para a difamação por engano, por arrombamento de uma casa, por incesto, por roubo e a famosa Lei Talião em alguns aspectos dela.[2]

    A Torà – o conjunto dos primeiros cinco livros da Bíblia – também descrevia a pena capital para os diversos crimes de sua época. A Torá, embora compilada aparentemente em dois períodos diferentes – os primeiros quatro livros são de cerca de 1400 a 1200 a.C. e o Deuteronômio parece ser de data posterior[3] – prescreve aspectos da Lei de Talião punidos com a morte e diversos outros crimes com a mesma punição. Só pra citar uma das listas, podemos verificar que no Levítico, capítulo 20, há a pena capital para crimes como:

·         Consagrar ou oferecer filhos a outro deus.
·         Amaldiçoar o pai ou a mãe.
·         Adultério.
·         Incesto.
·         Homossexualismo.
·         Sexo com animais.
·         Consultar os mortos e adivinhação.

Portanto, a pena de morte era instituída na Antiguidade e aceita com certa normalidade por parte das pessoas da época. Isso nunca foi problema para os povos antigos. Os únicos que certamente se oporiam a essa sentença eram os condenados. Não é difícil perceber que qualquer pessoa condenada por qualquer crime que seja, até os nossos dias, considerará que sua punição foi maior do que ele ou ela merecia.

Mesmo que na lista dos Dez Mandamentos encontremos a expressão “Não matarás”, em outros textos, como o mencionado acima, prescrevem a pena capital. Isso se dá por simples motivo: não era aceitável que uma pessoa matasse alguém ou fizesse justiça com as próprias mãos – desde a antiguidade – isso era papel do Estado ou dos governos locais. A única exceção à regra era o estado de guerra[4], onde o indivíduo pode matar a outrem sem qualquer punição sobre ele, e isso vigora até os nossos dias.

     Qual era ou ainda é o objetivo da pena de morte? 1) O de estabelecer ordem e controle social evitando que crimes aconteçam, tentando impor medo aos infratores, 2) impor o medo nos concidadãos no caso de ditaduras ou governos autocráticos e 3) combater duramente os crimes considerados gravíssimos por parte das leis civis ou das regras sociais pelas quais vivem um grupo de pessoas. Em todos os casos, a ideia de coibir severamente os que atentam para a ordem social de um povo está implícita, mesmo que em certas circunstâncias, na prática, isso não seja verdadeiro[5].

De Cristo aos nossos dias

É uma missão impossível encontrar nos textos do Novo Testamento uma menção específica e clara que argumente contra a pena de morte impetrada pelo Estado, Império ou Monarquia qualquer. Isso se dá porque os cristãos, até o advento da era moderna[6], sempre viveram sob a égide de monarquias ou impérios. Embora a semente da “libertação” ou da mudança de regimes tivesse sido plantada bem antes do Iluminismo[7], lá pelo tempo da Reforma Protestante no século XVI, ainda assim, a transformação do Ocidente foi lenta.

O cristianismo nasceu dentro do Império Romano no primeiro século de nossa era e nele encontrou terreno fértil para a sua expansão. Quando Jesus nasceu e posteriormente pregou sua mensagem evangélica, Roma dominava sobre todo o mundo civilizado, exceto o quase desconhecido reino remoto do Oriente[8]. Portanto, deste ponto e por toda a chamada Idade Média, os cristãos estiveram sob governos que possuíam a pena de morte.

O que encontramos das narrativas dos Evangelhos? João, o Batista foi decapitado por ordem de um governador local (Mat. 14.1-12), Jesus foi morto por pena capital declarada por um governador romano (Mar. 15.1-15), Pedro e Paulo foram mortos por execuções sumárias por ordem de Nero, segundo Eusébio de Cesaréia[9] (270 – 339 d.C.), historiador cristão. Todos os apóstolos, exceto João, foram vitimados por pena capital, além de todos os cristãos perseguidos no Império Romanos até 303 d. C., também vítimas de pena de morte das mais variadas.

John Fox escreveu um compêndio sobre as perseguições sofridas pelos cristãos no mundo desde a primeira iniciada por Nero em 67 d.C. até os seus dias finais em 1587. Em seu livro[10], ele descreveu minuciosamente, tanto quanto possível, os requintes de crueldade utilizados pelos detentores do poder no mundo, contra os cristãos, ao serem vítimas da pena de morte. Ele também descreveu o poder da Inquisição católica como parte deste modo de punição estatal.

Se superficialmente analisarmos o caso do Brasil, veremos que a pena de morte vigorou no Brasil no período colonial e no império, e foi abolida com a Proclamação da República, em 1889. Até então, as penas eram executadas principalmente por fogueira, esmagamento, decapitação, fuzilamento, eletrocução, garrote vil, apedrejamento e enforcamento[11]. Tiradentes foi um dos mais famosos executados por pena capital – enforcamento - no Brasil[12]. Mas não se deve esquecer que em outros períodos posteriores a pena capital retornou por conta da ditadura do governo militar de 1969 até ser abolida em definitivo pela constituição de 1988[13].

Concluindo

Aqui temos a parte mais difícil e certamente a mais polêmica e complicada de todas. Tratamos apenas de forma descritiva os fatos históricos, mas, a partir daqui, entramos em ambiente mais sério, por se tratar de assunto que não pode ser trabalhado levianamente nem por comoção pessoal ou popular. Assevero, para que os leitores sejam tranqüilizados, que as próximas linhas são fundamentalmente meu pensamento após a análise do pesquisado até este ponto.

Em nenhum lugar do Novo Testamento há a indicação específica de que o Estado não tenha o direito ou não possa executar a pena de morte. Ao contrário disso, o texto base do artigo, a carta de Paulo aos romanos, descreve exatamente que o Estado detém o poder “da espada”, ou seja, de executar a punição que lhe convier pelos crimes cometidos por seus cidadãos. Por isso nem Jesus, nem os discípulos tiveram qualquer problema em considerar certo ou errado a punição por pena capital. Haja vista que os cristãos dos primeiros séculos tinham como honra o morrer por amor a Cristo, mesmo que por sentença de morte (João 21.19).

No sentido inverso, não há igualmente, nenhuma ordem escrita ou indicação que um cristão, e, por conseguinte, um Estado cristão, deva executar a pena de morte em um criminoso. Ao contrário, o centro nevrálgico do cristianismo é o amor ao próximo ordenado por Jesus (João 13.34), e, por isso, a vida se constitui no bem mais precioso do indivíduo (Mat.6.25), portanto, ela é sagrada. Em última instância, Deus é o único juiz sobre a vida e a morte para o cristianismo (Heb. 12.23 / Atos 10.42).

A Constituição brasileira veta terminantemente a possibilidade de pena de morte nos nossos dias. No artigo 5º, inciso XLVII, declara literalmente que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, e tampouco haverá penas perpétuas[14]. Para todos os efeitos, nosso país é contrário à pena de morte por Lei Pétrea ou Lei Maior, a sua Constituição. Isso nos deixa apenas com o desejo popular ou com a opinião particular, mas nos impossibilita de estabelecer penas capitais, a não ser por um golpe de Estado.

Finalmente, observo que, como cristãos, levando em consideração todas as informações anteriores, de forma peremptória, é possível asseverar ao menos duas coisas:

1)      Para cristãos que vivem em países ou regiões onde a pena de morte é ordenada pelo Estado ou governo local, não se exige dele (deste cristão) que negue a validade soberana do poder constituído, sob quaisquer pretextos, mesmo que seja defensor consciente dos direitos humanos. Isso significa que o fato do cristão ser absolutamente contrário à pena de morte, não o autoriza a se insurgir contra o Estado que a mantém, a não ser pelas vias legais.

2)      Para os que vivem em países como o nosso, onde a pena de morte é vedada o seu estabelecimento por Carta Magna, este discurso se alinha com os princípios fundamentais do cristianismo, da valorização da vida acima de tudo, e não somos autorizados pelas Escrituras neotestamentárias a sequer mencionar a possibilidade de fomentar a pena capital na nação.

Por isso, sou a favor da prisão perpétua para crimes hediondos e homicídios dolosos e do cumprimento total das penas por parte dos condenados, sem comutação ou redução de um dia sequer do tempo determinado em lei para a punição dos crimes. Sou a favor da dignidade moral e física dos detentos, mas não de transformar as cadeias e presídios em centros de convivência para ninguém, pois o criminoso precisa saber de todas as maneiras que o crime não compensa. Sou favorável aos Direitos Humanos como descritos pela ONU[15], mas que eles se apliquem em primeiro lugar às famílias vitimadas pelos criminosos antes mesmo que aos próprios infratores.


Carlos Kleber Carvalho
Teólogo, Cientista Social, Fundador da ONG ABAN Brasil e Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica










[1] Brasileiro é executado por fuzilamento na Indonésia. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/204483-brasileiro-e-executado-por-fuzilamento-na-indonesia.shtml

[2] Código de Hamurabi. Fonte: The Eleventh Edition of the Encyclopaedia Britannica, 1910
pelo Rev. Claude Hermann Walter Johns, M.A. Litt.D.
Texto em Word.

[3] MERRIL, Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Sheed Publicações, 2009, p.321.

[4] A atuação do Poder Judiciário na vigência do Estado de Sítio. http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3714/A-atuacao-do-Poder-Judiciario-na-vigencia-do-Estado-de-Sitio

[5] Em ditaduras e governos autocráticos ou teocráticos, os casos de pena capital não servem às propostas de trazer ordem social ou coibir severamente crimes graves, mas sim, eliminar os insurgentes ou contrários, criando um ambiente de medo e terror na população.

[6] Muitos historiadores fixam a data do nascimento da era moderna com o advento do Iluminismo, logo após a Guerra dos Trinta Anos na Europa (1618-1648).

[7]GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 17.

[8]TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento: sua origem e análise. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 31.

[9]História Eclesiástica. Eusébio de Cesaréia. São Paulo: Novo Século, 1999. p. 73.
[10] FOX, John. O Livro dos Mártires. Publicado em português pela CPAD. Rio de Janeiro, RJ, 2002.

[11]Pena de morte: O último enforcamento no Brasil. Disponível em: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/21/artigo143996-1.asp.

[12] Tiradentes. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes.

[13] Quem foi o último condenado à morte no Brasil? Super Interessante, abril/2004. Disponível em: http://super.abril.com.br/cotidiano/quem-foi-ultimo-condenado-morte-brasil-444449.shtml.

[14] Constituição da República Federativa do Brasil. Imprensa Oficial. São Paulo, 2013.

[15] Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.dudh.org.br/definicao/documentos/

Um comentário:

  1. Que pena se daria a um condenado à prisão perpétua que matasse um companheiro de cárcere?

    ResponderExcluir