domingo, 28 de junho de 2015

Artigo junho de 2015

MUNDO PLURALISTA E UMA MENSAGEM ABSOLUTA




Segundo certos estudiosos vivemos numa época chamada pós-moderna desde a década de 1960[1], e uma das características mais marcantes dela é o pluralismo. O pluralismo é uma visão ou mais precisamente uma cosmovisão que defende a variedade e a diversidade. É uma perspectiva que exalta a multiplicidade e as diferenças em vez da homogeneidade, unidade e semelhança[2]. O pluralismo desemboca no entendimento que relativiza a verdade e a entende não como algo absoluto, mas como uma coisa múltipla, ou seja, existem diversas expressões da verdade.

Neste sentido, uma verdade relativizada leva, fatalmente, as pessoas que assim pensam, a imaginar que os absolutos não existem no mundo ou que as mais diversas expressões de opiniões podem tornar-se verdades locais, sem importar com uma verdade mais ampla ou universal. Portanto, a verdade passa a ser assunto de cultura, de sociedades ou de foros íntimos, significando que a sua definição depende não mais de princípios universais absolutos ou divinos, mas sim de como ela é compreendida ou aceita em cada particularidade.

É claro que esta é a definição que o espírito pós-moderno impregnado na vida de muitas pessoas de nossos dias dá para se relacionar com a verdade, porque não está confortável com a ideia de prestar contas de suas ações no tribunal da verdade absoluta e divina que lhes condenará por não se ajustarem à verdade. Ainda que não saibam disso, é precisamente por não desejarem ser confrontados com uma verdade superior que estas pessoas abraçaram o pluralismo.

Para a Filosofia[3] a verdade sempre foi e é uma busca. Em termos gerais, a verdade é vista como aquilo que contrasta com meras aparências. É aquilo que corresponde aos fatos da questão. É algo que pode ser declarado genuíno ou real. A verdade é firme diante das aparências e mudanças, portanto, não se altera. Definida assim, a verdade é um caminho a prosseguir e a perseguir. Para o filósofo, deve-se trilhar este caminho até que a verdade plena ou absoluta seja encontrada, por isso, os filósofos pós-modernistas precisaram mudar radicalmente o conceito de verdade para ajustá-lo ao período atual, pluralista.

Para a Teologia a verdade é algo absoluto e tem sua fonte em Deus e em sua eterna palavra. Ela é coisa fundamental e espiritual ao mesmo tempo. A verdade está relacionada estreitamente com Deus essa verdade espiritual e moral é tão concreta (ou verdadeira) quando as verdades matemáticas, científicas e histórica[4]. Teologicamente, a verdade é definida nos parâmetros simples do real e concreto da filosofia, bem como é uma questão divina. Deus é verdadeiro, sua palavra é verdadeira e, portanto, não há divergência entre a verdade e Deus como fonte primária de tudo o que é verdadeiro.

Aqui chegamos ao ponto decisivo: vivemos num mundo cada vez mais pluralista em relação ao conceito da verdade, mas possuímos o conhecimento do Deus verdadeiro e de sua mensagem verdadeira aos homens. Essas duas realidades são irreconciliáveis, por isso, temos um choque de cultura e de conceitos contínuo quando tratamos dos princípios e da expressão da verdade no dia a dia. Não há como conciliar esses aspectos, ou aceitamos a verdade plural pós-modernista ou aceitamos a verdade plena e absoluta de Deus nas Escrituras.

É certo que alguns também tentam fazer acreditar que este não é o ponto de cisão ou de fragmentação cultural, filosófica ou espiritual que engloba a vida em nosso mundo, e tentam desacreditar que não há escolhas a se fazer entre estas duas cosmovisões, mas é também certo que não pode haver duas verdades antagônicas ou opostamente iguais, porque elas se anulariam. Ou uma está certa ou a outra está. Vivemos sim, num mundo onda há uma guerra intelectual e espiritual pela verdade e por qual verdade se deve viver.

A mensagem de Jesus, o Cristo (Messias) é única neste cenário: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (João 14.6). Esta declaração é figurativa acerca da pessoa do próprio Jesus, mas encarna uma verdade superior representativa. Ele é a fonte e expressão da verdade absoluta que é atemporal a acultural. Sua verdade é única, essencial e final, ela é o término da busca filosófica. Se tudo no universo termina e se decompõe, porque não haveria uma verdade final? E por que ela não poderia estar nele? Não há nada que impeça isso de ser verdadeiro!

Este Jesus nos ordenou uma tarefa global: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16.15). Jesus com isso quis nos asseverar que a sua mensagem (o evangelho) é uma verdade essencial, fundamental e absoluta, e que os homens, independente do lugar onde vivem, da cultura que tenham aprendido e dos conceitos ou cosmovisão que advoguem, deveriam viver por esta verdade maior. Sabemos o quanto Jesus era coerente e o quanto ele era verdadeiro pelo testemunho que seus seguidores deixaram escrito. Ninguém em sã consciência (em sã consciência!) ousaria dizer que ele nos ordenaria tal empreendimento se não considerasse que fosse algo importante.

Assim como bilhões de pessoas neste mundo compreendem que as palavras de Jesus são boas e benéficas para trazer a paz aos corações e a mudança da sociedade em um lugar mais justo, verdadeiro e amável, estas suas últimas palavras ditas antes de nos deixar são tão verdadeiras quanto as outras. Temos, portanto, uma mensagem absoluta, um Deus absoluto, um Cristo verdadeiro, vivendo num ambiente pluralista.


Sem desejar ofender a ninguém nem ser acusado de causar intolerância ou implantar totalitarismo, Jesus nos ordenou que mudássemos o mundo pela influência de sua verdade absoluta nos corações dos seres humanos. Este é o nosso maior desafio de vida.


Porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade.
II Coríntios 13.8

Uma vez que conhecemos o temor ao Senhor, procuramos persuadir os homens.
II Coríntios 5.11 (NVI)


Carlos de Carvalho
Teólogo, Cientista Social, Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica, fundador da ONG ABAN Brasil
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[1] GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo / Stanley J. Grenz; [tradução Antivan Guimarães Mendes]. – São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 36.

[2] GRENZ, Stanley J. Dicionário de ética: mais de 300 termos e ideias definidos de forma clara e concisa / Stanley J. Grenz, Jay T. Smith; tradução Alipio Correio de Franca Neto, Glasfira Antas, Sandra Mara Franca. – São Paulo: Editora Vida, 2005. p.133.

[3] Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento / Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordon Chown]. – 2.ed. – São Paulo: Vida Nova, 2000. ps.2062-2063.

[4] Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Walter A. Elwell (Editor). [tradução Gordon Chown] – vol.III – N-Z. São Paulo: Vida Nova, 1990. p.614.

terça-feira, 16 de junho de 2015

DOIS ALVOS COM UMA ÚNICA FLECHA

DOIS ALVOS COM UMA ÚNICA FLECHA


Naquela hora chegaram-se a Jesus os discípulos e perguntaram: Quem é o maior no reino dos céus?
Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles,
e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus.
Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no reino dos céus.
E qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta, a mim me recebe.
Mateus 18:1-5

Os discípulos de Jesus fizeram uma pergunta e ele deu uma resposta que abarca dois temas que são necessários ter uma ideia clara sobre eles. De alguma forma os seus seguidores iniciaram entre si uma questão sobre quem deles ou quem seria a pessoa de maior importância no reino de Deus. Esta pergunta não era infantil ou fruto de competições pessoais, mas era uma dúvida que envolvia toda a cultura na qual aqueles homens estavam inseridos que compreendiam promessas messiânicas, restauração do reino davídico, libertação do domínio do império romano e a promessa que o Messias (Jesus) iria reinar em seu novo reino que estava anunciando.

Portanto, eles queriam saber qual seria a ordem de importância e de valores neste novo reino que Jesus está anunciando, qual era o papel deles por causa de sua origem não nobre e como é que os que agora detinham o governo sobre o povo – escribas, fariseus e Sinédrio – ficariam, porque estavam acostumados com um modelo de governo no qual nasceram e no qual vivam normalmente suas vidas. É claro que não entendiam naquele momento que o reino que Jesus estava anunciando era primeiramente um governo no coração dos homens para num futuro vir e estabelecer um governo físico sobre o mundo, mas a pergunta tinha seus motivos e por isso o Senhor não os repreendeu, mas lhes mostrou algo.

Ele toma uma criança e a coloca o meio deles e lhes anuncia os dois grandes temas que penso ser o centro de sua fala:

Primeiro, ele diz que todos em seu novo reino devem se comportar como uma criança, sem maiores aspirações, na dependência de seus cuidadores (pais ou tutores), neste caso de Deus, humildes no sentido de que não possuem recursos próprios para governar sobre outros, impossibilitados de controlar sua própria vida por causa de seu estado infantil e etc. Mas Jesus também deixa claro que isso só será possível pela conversão da alma a este estado de “criança”. A palavra que Jesus usou aqui para conceituar sua ideia é “straphote”, da raiz “strepho”, que por sua vez significa “voltar-se”, “transformar-se” ou “mudar a si mesmo” literalmente. Portanto, o maior no novo reino, será aquele ou aquela que assumir esta condição de criança através da genuína conversão de sua alma a Deus. Esta conversão é uma ação espiritual, mas é a única base sustentável para que alguém se mantenha ou tenha lugar no reino de Jesus.

Segundo, ele diz no verso cinco que quando alguém recebe uma criança também o recebe em seu contexto de vida. Há duas interpretações que os estudiosos fazem desta afirmação. Uma é que a criança aqui é uma criança literal e outra é que esta criança representa todos os crentes na fé. Ainda que possamos aceitar a segunda sem maiores reservas, prefiro a segunda, pois nos deixa mais dentro da imagem que o texto nos passa. É sabido que o mundo antigo dava pouca importância às crianças e principalmente as de sexo feminino. Jesus, como sempre, inverte o quadro de valores de sua época e põe os de menos valor em posição de igualdade ou superior. É próprio dele isso.

A resposta dupla do Senhor ensina aos discípulos e a nós a essência de seu evangelho. É preciso se converter e se tornar como uma criança para entrar em seu novo reino, no reino de Deus, e de outra forma não será possível essa entrada. Ser como uma criança, destituída de maiores pretensões e de busca por posições ou status, se torna a condição ideal para ser cidadão importante deste reino espiritual. A importância se dá exatamente por não desejar importância. Um duro golpe nas mentes de antes e nas de hoje.

Por outro lado, não devemos deixar de pensar e agir concretamente para beneficiar e abençoar as crianças de nosso entorno de vida. Elas devem estar em nossas agendas e também nas listas de prioridades de ações sociais. Elas devem ser protegidas e cuidadas como se cuidássemos do próprio Jesus. As crianças são alvo do amor e cuidado de Deus, mas Ele não vai descer de sua morada para vir socorrê-las e protegê-las, Ele deixou isto por nossa conta. Amar e cuidar de nossas crianças não é uma questão de direito delas – como no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – mas uma questão de responsabilidade dos adultos. Não seriam necessário leis de direitos se olhássemos para elas como Jesus nos ordenou.

Também “crianças” devem ser vistas como todos aqueles e aquelas que têm profundas necessidades e, sem a ajuda adequada e contundente, não poderão sair das prisões limitantes impostas pela vida ou por seu estado de nascimento. São crianças nas impossibilidades de se sobressair das situações mais humilhantes, aflitivas e desumanas nas quais se encontram. Essas “crianças” devem ser colocadas em lugar de importância nas nossas atuações sociais e pessoais. Isso é viver o Evangelho, a mensagem de Jesus e a conversão que nos faz participar de seu novo reino.


Carlos de Carvalho
Pastor Sênior da Comunidade Batista Bíblica
Teólogo, Cientista Social.
Fundador da ONG ABAN Brasil

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