terça-feira, 16 de junho de 2015

DOIS ALVOS COM UMA ÚNICA FLECHA

DOIS ALVOS COM UMA ÚNICA FLECHA


Naquela hora chegaram-se a Jesus os discípulos e perguntaram: Quem é o maior no reino dos céus?
Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles,
e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus.
Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no reino dos céus.
E qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta, a mim me recebe.
Mateus 18:1-5

Os discípulos de Jesus fizeram uma pergunta e ele deu uma resposta que abarca dois temas que são necessários ter uma ideia clara sobre eles. De alguma forma os seus seguidores iniciaram entre si uma questão sobre quem deles ou quem seria a pessoa de maior importância no reino de Deus. Esta pergunta não era infantil ou fruto de competições pessoais, mas era uma dúvida que envolvia toda a cultura na qual aqueles homens estavam inseridos que compreendiam promessas messiânicas, restauração do reino davídico, libertação do domínio do império romano e a promessa que o Messias (Jesus) iria reinar em seu novo reino que estava anunciando.

Portanto, eles queriam saber qual seria a ordem de importância e de valores neste novo reino que Jesus está anunciando, qual era o papel deles por causa de sua origem não nobre e como é que os que agora detinham o governo sobre o povo – escribas, fariseus e Sinédrio – ficariam, porque estavam acostumados com um modelo de governo no qual nasceram e no qual vivam normalmente suas vidas. É claro que não entendiam naquele momento que o reino que Jesus estava anunciando era primeiramente um governo no coração dos homens para num futuro vir e estabelecer um governo físico sobre o mundo, mas a pergunta tinha seus motivos e por isso o Senhor não os repreendeu, mas lhes mostrou algo.

Ele toma uma criança e a coloca o meio deles e lhes anuncia os dois grandes temas que penso ser o centro de sua fala:

Primeiro, ele diz que todos em seu novo reino devem se comportar como uma criança, sem maiores aspirações, na dependência de seus cuidadores (pais ou tutores), neste caso de Deus, humildes no sentido de que não possuem recursos próprios para governar sobre outros, impossibilitados de controlar sua própria vida por causa de seu estado infantil e etc. Mas Jesus também deixa claro que isso só será possível pela conversão da alma a este estado de “criança”. A palavra que Jesus usou aqui para conceituar sua ideia é “straphote”, da raiz “strepho”, que por sua vez significa “voltar-se”, “transformar-se” ou “mudar a si mesmo” literalmente. Portanto, o maior no novo reino, será aquele ou aquela que assumir esta condição de criança através da genuína conversão de sua alma a Deus. Esta conversão é uma ação espiritual, mas é a única base sustentável para que alguém se mantenha ou tenha lugar no reino de Jesus.

Segundo, ele diz no verso cinco que quando alguém recebe uma criança também o recebe em seu contexto de vida. Há duas interpretações que os estudiosos fazem desta afirmação. Uma é que a criança aqui é uma criança literal e outra é que esta criança representa todos os crentes na fé. Ainda que possamos aceitar a segunda sem maiores reservas, prefiro a segunda, pois nos deixa mais dentro da imagem que o texto nos passa. É sabido que o mundo antigo dava pouca importância às crianças e principalmente as de sexo feminino. Jesus, como sempre, inverte o quadro de valores de sua época e põe os de menos valor em posição de igualdade ou superior. É próprio dele isso.

A resposta dupla do Senhor ensina aos discípulos e a nós a essência de seu evangelho. É preciso se converter e se tornar como uma criança para entrar em seu novo reino, no reino de Deus, e de outra forma não será possível essa entrada. Ser como uma criança, destituída de maiores pretensões e de busca por posições ou status, se torna a condição ideal para ser cidadão importante deste reino espiritual. A importância se dá exatamente por não desejar importância. Um duro golpe nas mentes de antes e nas de hoje.

Por outro lado, não devemos deixar de pensar e agir concretamente para beneficiar e abençoar as crianças de nosso entorno de vida. Elas devem estar em nossas agendas e também nas listas de prioridades de ações sociais. Elas devem ser protegidas e cuidadas como se cuidássemos do próprio Jesus. As crianças são alvo do amor e cuidado de Deus, mas Ele não vai descer de sua morada para vir socorrê-las e protegê-las, Ele deixou isto por nossa conta. Amar e cuidar de nossas crianças não é uma questão de direito delas – como no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – mas uma questão de responsabilidade dos adultos. Não seriam necessário leis de direitos se olhássemos para elas como Jesus nos ordenou.

Também “crianças” devem ser vistas como todos aqueles e aquelas que têm profundas necessidades e, sem a ajuda adequada e contundente, não poderão sair das prisões limitantes impostas pela vida ou por seu estado de nascimento. São crianças nas impossibilidades de se sobressair das situações mais humilhantes, aflitivas e desumanas nas quais se encontram. Essas “crianças” devem ser colocadas em lugar de importância nas nossas atuações sociais e pessoais. Isso é viver o Evangelho, a mensagem de Jesus e a conversão que nos faz participar de seu novo reino.


Carlos de Carvalho
Pastor Sênior da Comunidade Batista Bíblica
Teólogo, Cientista Social.
Fundador da ONG ABAN Brasil

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