quinta-feira, 24 de abril de 2014


CARTAS & DOUTRINAS

É comum ler e ouvir de alguns estudantes ou pregadores em início de seus ministérios e de suas pesquisas responderem a algumas questões que veem na igreja que não lhes agrada com afirmações que o novo Testamento ou o apóstolo Paulo não se referiu a determinados assuntos ou conceitos e por isso estas ou aquelas coisas não poderiam acontecer nas igrejas por causa disso.

Uso sempre que posso essa declaração: “todo teólogo mediano sabe...”. Não digo isso como uma crítica ruim, mas como uma afirmação de que um teólogo mediano é aquele que esposa uma boa doutrina sistemática, sabe raciocinar os lados opostos do pensamento teológico que existem e lê consideravelmente todos os dias, tanto a Bíblia como livros diversos.

Qualquer teólogo sabe algumas coisas básicas sobre o Novo Testamento ou sobre as epístolas paulinas. Basicamente se sabe que:
·         O Novo Testamento não foi revelado e produzido com proposições precisas, com ordem lógica nem organizadas como uma teologia sistemática.
·         O Novo Testamento não foi escrito como um exercício de abstração nem como uma tentativa de responder questões filosóficas.
·         O Novo Testamento é, acima de tudo, uma teologia pastoral, formulada para lidar com as questões e situações da vida diária do século I.
·         Paulo escreveu suas epístolas em três situações diferentes: as epístolas missionárias (Gálatas, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios e Romanos); as epístolas da prisão (Colossenses, Filemon, Efésios e Filipenses); e as epístolas pastorais (1 e 2 Timóteo e Tito).
·         Acerca da teologia de suas epístolas podemos asseverar o seguinte em linhas gerais:

1)      Ele as escreveu por estar preocupado com o bem estar das igrejas plantadas no mundo gentílico, tanto por seu ministério como as que não.
2)      Escreveu assuntos específicos com os quais se sentia impelido a lidar.
3)      Responde a perguntas específicas da igreja.
4)      Com muito mais frequência, atacava as falsas doutrinas ou as condutas impróprias que ameaçavam a estabilidade da comunidade cristã.
5)      Porém e tão importante quanto ao que foi dito, as epístolas, por tratarem de assuntos específicos, não apresentam, quer em seu aspecto individual ou em seu conjunto, uma teologia abrangente ou sistemática de seus autores.
6)      As únicas que poderíamos falar de uma aproximação abrangente teológica ou sistemática são as de Romanos e aos Efésios – esta última, F.F. Bruce se refere a ela como “a quintessência do paulinismo”.

Portanto, e a partir disso, qual é o meu ponto de discussão? É necessário ao estudante ou teólogo que se leve em consideração essas premissas anteriores antes de se fazer condenações ou de precipitadamente emitir opiniões de preferências pessoais sobre certos aspectos que parecem confusos e “não bíblicos” na igreja atual. Faço ressalva que há sim, muita coisa estranha em nossas comunidades de fé e que, como defensores da sã doutrina, não podemos ficar calados ou fingir que não vemos, mas ao mesmo tempo, não é possível fazer isso com espírito de criticismo ímpio ou irresponsável, pensando que se faz um bem ao corpo de Cristo, quando na verdade podemos estar destruindo a comunhão, a fé e o amor primeiro de muitos cristãos.

Aqui inicio algumas perguntas básicas que sei que, para algumas delas, não temos resposta e jamais as teremos. Nenhum teólogo por mais maduro e conhecedor as tem, mas é preciso mencioná-las como forma de conhecer os limites de nossas pressuposições. Eis alguns exemplos bem interessantes:

Dízimos

Alguns se referem à prática dos dízimos de diversas formas negativas. Sem exceção, quando o assunto é a contribuição dos dízimos temos muitas vozes contrárias e o mais importante, mencionam que não pode ser uma prática para a igreja cristã porque o “Novo Testamento não menciona nada a respeito”. Dizem que o que Jesus ensinou sobre o dízimo e as ofertas não tem a mesma relevância que os escritos apostólicos porque Jesus se referiu ou à oferta de alimentos ou ele estava debaixo dos ditames da Lei (por ser judeu) e deveria cumprir e não nós.

Esquecem-se que todas as referências aos dízimos e ofertas que Jesus fez estavam diretamente conectadas ao dinheiro real e não a alimentos ou hortaliças. Mesmo no caso de sua repreensão ao costume dos fariseus em Mateus 23, ele disse que estes homens davam o dízimo de tudo como a Lei exigia, mas desprezavam o mais importante, que era o juízo, a misericórdia e a fé. Então, lhes ordenou a seguir que deveriam continuar dando o dízimo, mas não deviam se esquecer das outras coisas mais importantes (v.23). Mesmo neste caso, Jesus estava falando diretamente aos escribas e fariseus e não ao povo. Ao povo e aos discípulos ele iniciou a conversa dizendo para que fizessem o que eles ensinassem, mas somente que não reproduzissem as suas motivações erradas (v.2,3).

Minha pergunta sem resposta: Porque os escritores do Novo Testamento, em específico das epístolas não mencionam a prática dos dízimos? Será porque eles a consideravam uma prática ultrapassada ou será que consideraram desnecessário dizer algo porque isso já estava bem estabelecido como prática comum e jamais foi ponto de discussão ou de questionamento nas igrejas? Particularmente acredito nesta última, mas jamais saberemos, portanto, não é inteligente fazer defesas doutrinárias contra o dízimo.

Sexualidade

É interessante como pregamos facilmente contra as práticas e comportamentos sexuais mais diversos sem que no Novo Testamento se tenha uma definição clara ou uma descrição minuciosa dessas mesmas práticas. Quero dizer com isso que quando os Evangelhos e as cartas mencionam as práticas sexuais o fazem em termos mais genéricos possíveis é óbvio dada a extensão e a multiplicidade delas. As palavras mais comuns são: adultério (moicoV); prostituição, fornicação e imoralidade (porneia); sodomia ou homossexualidade (arsenokoitai); impureza (akaqartoV); concupiscência, libertinagem e sensualidade (aselgeia) e luxúria (strhnoV). Porém todas essas palavras não fazem uma distinção mais plena de certas práticas que existem desde a antiguidade.

Citemos como exemplo a lista de pecados sexuais que consta em Levítico 18 e as menções em Deuteronômio 22:5 e 23:17,18 por exemplo. Em Levítico estão bem determinadas as limitações de casamentos e uniões sexuais que não são permitidas ao povo de Deus, inclusive as relações sexuais proibidas com parentes e com animais. Em Deuteronômio se menciona o travestismo e que os valores ganhos pelos profissionais do sexo não devem ser trazidos a Deus como oferta. Essas são parte das leis morais do Senhor e são atemporais Quem em sã consciência (refiro-me a teólogos e estudantes) diria que essas práticas sexuais proibidas são culturais e que não significam nada para nós hoje, apenas porque nem Jesus, Paulo ou os outros escritures não mencionaram nada no Novo Testamento?

Mais perguntas sem resposta (ou já as temos): os escritores do NT não mencionaram estas práticas específicas porque elas eram para um tempo da Antiga Aliança – culturalmente ultrapassadas – ou porque consideravam que esses assuntos já eram bem fundamentados como pecados na igreja do primeiro século? Ou será que hoje os cristãos podem ter relações com animais, com suas sogras, com suas irmãs, trazer o dinheiro da prática da prostituição como ofertas e se travestirem só porque o Novo Testamento não falou nada diretamente a respeito? É preciso lembrar que muitos defensores da homoafetividade usam a mesma argumentação.

Conclusão

O Novo Testamento não aborda todas as questões acerca de práticas de culto que devemos ou não ter na adoração a Deus, o faz apenas em linhas gerais, mas é enfático na prática diária da vida de um cristão e de como ele deve se comportar na sociedade em que vive a fim de glorificar ao Senhor que o salvou e chamou. Também não afirma que não devemos ter ou não algum utensílio ou instrumento em nossos cultos como se isso ferisse a Nova Aliança. E por fim, o Novo Testamento não descreve como deve ser o culto de domingo – oração, cânticos, ofertório, avisos, pregação, apelo e oração final – mas deixa isso para cada igreja local resolver (1 Coríntios 14.26).

            Assim sendo, deveríamos nos preocupar com o que o Novo Testamento diz acerca da vida dos filhos e filhas de Deus que nasceram de novo em seu testemunho e missão de vida – adoração, caráter e missão – muito mais do que com o que ele não diz – instrumentos, bandeiras, shofar, candelabro ou outras coisas. Também não se deve espiritualizar os utensílios como se em si mesmos possuíssem poder ou graça especial como fazem aqueles que ainda não se libertaram dos sincretismos religiosos tão comuns hoje. Necessitamos ser mais maduros na fé, no conhecimento e no amor para que nossa doutrina e teologia pessoal não impeçam a vida de Deus e seu Espírito fluírem nas igrejas, para não acontecer que caiamos na infantilidade de achar que podemos encaixotar as coisas espirituais em nossos moldes preconcebidos.

            Melhor é optar pelo significado que o próprio Novo Testamento dá à Bíblia como um todo a fim de não cairmos em grosseiro erro:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça,
para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra.
2 Timóteo 3:16-17


© Carlos Carvalho
Teólogo e Pastor Sênior da Comunidade Batista Bíblica

Referências:

BRUCE, F. F. Paulo: o apóstolo da graça, sua vida, cartas e teologia / F. F. Bruce; trad. Hans Udo Fuchs. – São Paulo: Sheed Publicações, 2003.

LUZ, Waldyr Carvalho, Novo Testamento Interlinear / Waldyr Carvalho Luz. – São Paulo, SP: Hagnos, 2010.

VINE, UNGER e WHITE JR. Dicionário Vine: o significado exegético e expositivo das palavras do Antigo e do Novo Testamento / W. E. Vine, Merril F. Unger, Willian White Jr. [trad. Luís Aron de Macedo] – Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2002.

ZUCK, Roy B. Teologia do Novo Testamento / Roy B. Zuck. [trad. Lena Aranha] – Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2008. p. 269-407.


Imagem. Saint Paul Writing His Epistles, by Valentin de Boulogne or Nicolas Tournier (c. 16th century, Blaffer Foundation Collection, Houston, TX). Em: http://en.wikipedia.org/wiki/Epistle.

sexta-feira, 18 de abril de 2014


A RELAÇÃO DE DEUS COM O MAL

Amo o texto de apocalipse que descrevo abaixo:

1 Então vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado; e o mar já não existia.
2 Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu marido.
3 Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: "Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus.
4 Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou".
5 Aquele que estava assentado no trono disse: "Estou fazendo novas todas as coisas! " E acrescentou: "Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e dignas de confiança".
6 Disse-me ainda: "Está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tiver sede, darei de beber gratuitamente da fonte da água da vida.
7 O vencedor herdará tudo isto, e eu serei seu Deus e ele será meu filho.
Apocalipse 21

Não desejo iniciar uma aula de Filosofia nem de Escatologia aqui. Meu objetivo é tentar dar uma resposta escriturística simples e definitiva sobre a questão do mal e de sua presença neste mundo na perspectiva da Revelação bíblica. Posto isto, não estou dizendo que todo o fluxo de pensamento e produção literária sobre o tema seja irrelevante, mas que tudo o que foi dito e escrito até aqui só terá sentido se não formos arrogantes ao ponto de não deixarmos que a palavra final seja a de Deus, nas Escrituras.
Em linhas gerais, filosóficas e teológicas, o mal é visto de duas maneiras principais, tanto na visão do senso comum, como na visão de pensadores:

Há o mal moral – são os atos de maldade dos seres humanos que os diferencia dos demais, em outras palavras, esses atos de maldade nos fazem refletir e fazer as referências entre o bem e o mal. Em todas as sociedades da Terra existem essas referências. Em qualquer lugar do mundo os seres humanos sabem fazer diferenças entre o certo e  o errado e há, em todas elas, a recompensa ou a punição pelos atos dos homens. Sobre esse tipo de mal, não parece haver problemas entre os pensadores, todos reprovam os atos malignos, todos reprovam o mal moral.

Há o mal natural – o mal natural são os acontecimentos que não estão no controle dos seres humanos, ou seja, que não são as ações dos homens que o provocaram. Antes de prosseguir, é preciso fazer uma ressalva – há males naturais que podem acontecer nas vidas das pessoas por elas se aproximarem irresponsavelmente dos locais onde as catástrofes naturais acontecem – mas geralmente o mal natural é algo para o qual não possuímos nem o controle, nem o poder de evitar. Aqui está o problema entre os pensadores, aqui se divide a crença e a não crença na existência de Deus. O mal natural é o divisor de águas.

As perguntas humanas se multiplicam quando o mal natural acontece: qual o sentido de uma tempestade ou de um furação com intensidades tão destruidoras? Qual o propósito de um terremoto que destrói um país inteiro? Porque de um tsunami destruir e matar quase 300 000 pessoas? E quando essas perguntas são feitas, uma nova série delas se levanta: Qual o propósito de Deus nisso? Porque ele permitiu se é tão bom? Será que ele existe mesmo? Essas são apenas algumas e isso por causa de nossa incapacidade de compreender as coisas com clareza quando se trata do mal natural.

Ao pensar nestas questões e ao ler o texto em Apocalipse, meus pensamentos foram iluminados com a visão do final, pois jamais, repito jamais poderemos entender o que acontece aqui neste mundo natural, ao menos na perspectiva bíblica, se não termos em mente continuamente o fim profetizado e preparado para os que creem. Portanto, abaixo deixo doze entendimentos sobre Deus e a presença do mal no mundo que vieram a mim quando meditava sobre isso. Ei-las:

1) Deus resolverá o problema do mal.
2) Deus tem a intenção de eliminar o mal.
3) Deus não só deseja, como num futuro determinado eliminará o mal definitivamente.
4) O mal, neste caso, não atesta a improbabilidade da existência de Deus.
5) Deus tolera a presença do mal porque já vê um final que foi escrito para ele.
6) O propósito original da criação era um mundo sem o mal.
7) A existência de Deus fornece a prova da eliminação da existência do mal.
8) Ao final, Deus não eliminará a existência humana, eliminará a presença do mal.
9) A coexistência de Deus com o mal é temporária.
10) O mal no mundo é alvo de ações concretas de Deus para extingui-lo.
11) Tanto o mal moral como o mal natural deixarão de existir no final.
12) É definitivo que, com Deus, o mal não existirá continuamente.

          Em Apocalipse 21, Deus responde ao dilema de Epicuro: “se Deus pode acabar com o mal e não o faz, não é bom, e se não pode, não é onipotente”. Aqui, Ele pode e o fará, por isso Ele é bom e onipotente.

Carlos Carvalho
Páscoa de 2014


Imagem: catastrophy of pompeii. Disponível em: http://wollipaper.com/catastrophy-pompeii-2014-movie-with-full-hd-pictures-37.html


terça-feira, 8 de abril de 2014


O PODER DAS DECISÕES ERRADAS
Gênesis 12.1 – 13.4

O texto é longo para colocar aqui e recomendo que você o leia antes de iniciar este esboço. Abrão é chamado por Elohim e desafiado a ir para uma terra e peregrinar nela – Canaã – e, como resultado dessa obediência e peregrinação, o Senhor daria a descendência de Abrão a possessão legítima daquelas terras. Sua caminhada por toda a extensão dela se tornaria o marco territorial que compreenderia as fronteiras da futura nação de Israel. Ele chega ao seu destino, constrói um altar e invoca o nome do Senhor, mas algum tempo depois começa um período de fome naquelas regiões e ele decide ir ao Egito para se livrar da escassez, lá, ele deixa que sua esposa Sarai se torne uma espécie de concubina no palácio de Faraó por ter medo que os egípcios o matem, e mais tarde, o governante descobre da pior maneira – por uma praga de enfermidade – que Sarai não era irmã de Abrão como tinha lhe dito, mas sua esposa. Faraó ordena que escoltem Abrão, Sarai e todos os seus pertences para fora do Egito e ele volta para a região de Canaã e de novo, no mesmo altar, invoca novamente o nome do Senhor.

A história parece curta contada desta forma, mas ela nos traz revelações dos princípios que desejo mostrar aqui. Ela nos conta como as decisões erradas têm o poder concreto de provocar mudanças poderosas e até mesmo destrutivas em nossas vidas se permitirmos. Quero enfatizar a origem, a dinâmica e os resultados de decisões erradas e o quanto isso ocasiona mudanças em nossa caminhada. Dou a seguir cinco entendimentos ou princípios que compõem as decisões erradas e como eles se relacionam conosco hoje, utilizando esse momento histórico de Abrão.

As decisões erradas levam em consideração as circunstâncias imediatas (v.10). No caso particular de Abrão foi a fome na região onde vivia. Não sabemos dizer se ele de fato pensou no que estava fazendo, pois sua esposa e servos não passavam fome nem sede. Tinham gado, ovelhas e, portanto, a fome não os afetaria por muito tempo. Mas em qualquer que fosse o caso de sua decisão, ele a tomou levando em conta talvez a possibilidade de ela os atingir e por isso foi ao Egito.
Quase sempre conosco é a mesma coisa. Sempre que alguma coisa circunstancial com potencial negativo ou de abalar nossa aparente segurança acontece ao nosso redor, somos levados a tomar decisões baseados nestas observações. Normalmente as decisões tomadas levando em consideração os acontecimentos imediatos tendem a ser erradas, pois quando isso acontece, não estamos raciocinando a partir de uma perspectiva concreta, analítica ou por fé inteligente, mas por medo de que algo ruim nos aconteça. Isso na maioria dos casos se transforma em resultados negativos para nós como o foi para Abrão.

As decisões erradas são tomadas pelo equívoco na compreensão do passado (v.7). Isto acontece porque com frequência nos esquecemos de que lá atrás ou em algum tempo no passado próximo ou não, Deus já havia nos falado a respeito de nós ou de seus propósitos sobre a nossa vida. De alguma forma sabíamos que o Senhor já nos revelara por seus meios peculiares que em determinado lugar ou momento Ele iria nos abençoar ou responder as nossas orações, mas não nos lembramos dessas coisas em momentos difíceis ou em certas circunstâncias e tomamos decisões erradas.
Abrão ouvira não muito tempo atrás a voz do Senhor Deus lhe falar que o abençoaria ali mesmo na terra de Canaã e que sua descendência também possuiria toda a extensão de sua peregrinação como herança, mas ao primeiro sinal de dificuldade, no caso a fome, Abrão resolve sair do local em que Deus cumpriria suas promessas para ele e, por conta própria, decide erroneamente descer ao Egito, a um lugar que o Senhor ainda não havia lhe falado nada. Tudo isso por ter se esquecido do que Deus lhe tinha dito antes.

As decisões erradas nos levam para mais distantes da promessa de Deus. Abrão desce para o Egito, lugar que distava quilômetros de Canaã. Não é o caso se era perto ou longe geograficamente, mas sim que estava distante e afastado do lugar onde Deus disse que o abençoaria. Descer ao Egito era simplesmente distanciar-se da promessa e da bênção de Deus e a história nos conta que isso foi um fato para Abrão. Nada aconteceu como ele esperava e quase perdeu para sempre sua esposa e o futuro das promessas de Deus em Sarai, o seu filho que viria.
Nada mais trágico para nós se optarmos por escolher nossos caminhos quando o Senhor já nos revelou os dele para nós. Nada mais negativo e paralisante quando resolvemos sem a aprovação de Deus abrir caminho por nossa conta quando Deus já nos mostrou a rota. Nas Escrituras a rota, a direção, o destino final já foram traçados para nós e cabe confiarmos naquele que conhece o futuro, que Ele sabe nos guiar, mesmo quando não compreendemos tudo. Não podemos arriscar aquilo que não podemos perder. Decisões erradas nos afastam das promessas de Deus.

As decisões erradas afetam o destino de nossa família (v.11-15). Sarai, Abrão e mesmo Isaque que ainda não tinha nascido seriam drasticamente e definitivamente afetados pela decisão dele. Isaque não nasceria se Abrão perdesse sua mulher e Sarai não daria a luz ao filho de uma promessa especial de Elohim pelo fato de que todo o futuro daquela família estava sendo afetado pela decisão de Abrão. O futuro projetado por Deus para eles não aconteceria se Deus não tivesse intervindo.
É semelhante conosco, qualquer decisão equivocada que o marido sozinho tome ou a esposa, tem o poder de afetar a todos, mesmo os que não tomaram as decisões. Somos diariamente afetados pelas decisões de pessoas que nem sequer conhecemos no governo, nos tribunais, nas prefeituras e gabinetes de chefias e nem damos conta disso. O destino de uma cidade é afetado por pessoas que sequer moram nelas muitas vezes. Um decreto presidencial ou emenda constitucional por afetar diretamente nossas vidas para o bem ou para o mal, mesmo sem desejarmos que as decisões fossem tomadas.
Pessoas morrem todos os dias por decisões de outros de diversas formas diferentes e elas não queriam que isso acontecesse. Se isso é verdadeiro para o que está para fora de nós e nosso dia a dia na sociedade, também o é para o ambiente de família. A decisão de um pai ou de uma mãe pode alterar para sempre a caminhada de um filho ou o futuro de uma filha, mesmo que não desejassem que nada de mal viesse acontecer. As decisões precipitadas de um homem afetam o destino de sua família.

As decisões erradas nos fazem retroceder na vida ao invés de nos fazer avançar (13.1-4). Todo o processo e o tempo relacionados aos eventos desse texto foram perdidos por Abrão. Ao final ele teve de voltar ao ponto original de sua jornada com Deus, onde construíra o altar e onde o invocara em Canaã – ele volta à Canaã. Tudo o que lhe aconteceu apenas serviu de experiência para enxergar o que acontece quando se decide sem considerar a vontade de Elohim juntamente. Mas isso não foi o suficiente para ele, pois mais tarde, em Gênesis 20, na terra de Gerar, com Abimeleque, Abrão comete o mesmo erro.
Precisamos aprender de uma vez por todas que as nossas decisões erradas nos farão andar em círculos na vida e não para frente, é até possível que pensemos que estamos avançando, quando de fato estamos circulando o mesmo ponto sem perceber. Todas as vezes que decidirmos equivocadamente ir por caminhos que nós mesmos escolhermos precisamos estar cientes que poderemos, depois de muito tempo perdido, voltar ao mesmo lugar da origem das decisões erradas. Voltar à casa dos pais por ter escolhido mal o relacionamento, voltar à empresa anterior por ter ido em busca de uma ilusão que não se concretizou, voltar à estaca zero porque perdeu tudo numa “aventura”. O pior de tudo isso é que esses retornos sempre estão acompanhados de vergonha.

Concluo com uma história dramática. Em 1912 o RMS Titanic fez sua viagem inaugural rumo ao Novo Mundo com cerca de 2.200 pessoas a bordo. Durante sua trajetória, o Capitão Edward Smith decidiu ignorar todos os avisos de iceberg em sua rota e, no dia 14 de abril, o poderoso navio afundou após colidir com o bloco de gelo no Oceano Atlântico, matando mais de 1.500 pessoas. Independente de todas as histórias e investigações que ainda hoje são divulgadas um fato permanece: foi a decisão equivocada do Capitão e sua tripulação que culminou na morte de todas aquelas pessoas.

Decisões erradas podem matar. Cabe a cada um de nós tomarmos decisões corretas na vida, mesmo não sendo as mais fáceis e isso só será possível eliminando as decisões erradas. Viver pela fé é muito mais concreto e menos subjetivo do que algumas pessoas pensam, é tomar as decisões certas levando em conta Deus e sua vontade expressa na sua Palavra e no dia a dia avaliar nossas decisões pelos valores e princípios mais corretos.

Carlos Carvalho
Teólogo e Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica


Imagem: RMS Titanic no fundo do oceano.