sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A Dádiva da Vida Eterna


A DÁDIVA DA VIDA ETERNA
Lucas 18.18-30

Este é aquele famoso texto onde Jesus conversa com o moço rico que queria saber o que deveria fazer para herdar a vida eterna. O que está em evidência é a vida eterna, ou seja, a garantia da vida após a morte e a certeza que esta se dará ao lado de Deus e não no inferno ou na condenação eterna. as palavras originais que são traduzidas como vida eterna por si só já demonstram que é a vida vindoura e não a vida vivida aqui.[1]

Se tomarmos um quadro geral como expressão dessa perícope selecionada do capítulo dezoito, veremos que toda a conversa e as nuances que se desenvolvem a partir dela se concentram na questão da vida porvir. O versículo 18 e o versículo 30 iniciam e terminam o texto com a vida eterna como tema central. O moço faz uma pergunta sobre ela e Jesus finaliza a conversa dando a perspectiva correta sobre a mesma.

O jovem vê a vida eterna na perspectiva da legalidade e de sua relação com a Lei de Deus. Ele está acostumado com essa visão legalista e da justiça que os homens de Israel tentavam alcançar pelo cumprimento integral dos mandamentos – embora nenhum ser humano conseguiu – e, a partir dessa relação, pensa que o assunto que possivelmente lhe angustia, está centrado nas mesmas bases legais que sua própria sociedade culturalmente vivia.

Ao percebermos o início da conversa e como Jesus lhe questiona sobre o seu relacionamento com a Lei, depois de o jovem ter indagado o Senhor sobre como ele poderia “herdar” a vida eterna, logo vemos que sua perspectiva sobre o futuro estava fundada nos mesmos princípios legais que geriam as questões das heranças entre o povo[2]. Ele entendia perfeitamente o princípio de herança que era uma questão legal da sociedade, mas equivocadamente pensava que a vida eterna seria uma coisa de “direito” ou de “legalidade”.

Por isso Jesus passa a descrever em outros termos o que é a vida eterna em sua perfeita ótica, na tentativa de alterar a perspectiva do jovem sobre o assunto. Deste ponto em diante, veremos por outras vias, a verdade ensinada pelo Senhor sobre a vida eterna. Podemos compreendê-la de quatro maneiras:

Primeira – a vida eterna é o reconhecimento de que a pessoa não tem o que realmente necessita para possuí-la (veja v.22,23).

Aquele moço possuía tudo o que qualquer pessoa na face da terra compreende como as coisas mais excelentes que o dinheiro e a posição podem comprar ou ter, porém, mesmo assim, Jesus diz a ele que lhe falta algo. Certamente para o moço a única coisa que lhe faltava era a garantia de viver para sempre, mas o Senhor lhe assevera que ele não tem o que realmente precisa para ganhar a eternidade.

Com estas palavras Jesus lhe diz que a vida eterna só pode ser alcançada por pessoas que sabem que são profundamente necessitadas. Quando o Senhor lhe fala que ele só compreenderá a vida eterna quando se desfizer de tudo o que tem e passar a viver na total dependência dele, o jovem começa a perceber que a vida eterna não é um assunto para gente imatura e sem bom senso, mas para pessoas que estão dispostas a ir muito além do comum.

Segunda – a vida eterna não pode ser conquistada pelos recursos pessoais (veja v.24,25).

Jesus faz uma fortíssima declaração após ver a profunda tristeza de semblante que tomou conta do jovem rico quando percebeu que a vida eterna estava distante dele. Ele disse que um rico não pode entrar no reino dos céus, ou seja, receber a vida eterna, pelo simples fato de que suas riquezas lhe impedirão de alcançar esta vida porque elas se tornarão a única vida com a qual essa pessoa passará a reconhecer e viver e da qual dependerá.

Claro que à luz das Escrituras[3] sabemos que o Senhor não está vaticinando que nenhum rico vai para o céu e só os pobres têm lugar lá, mas que qualquer pessoa que põe sua confiança no dinheiro ou nas riquezas não irá possuir a vida eterna, porque as riquezas serão o próprio “deus” da pessoa e esta irá servi-lo sem perceber que se tornou escravo de um sistema que tem sua própria autonomia e independência de Deus. Mamon[4] é o seu deus e sua vida.

Terceira – a vida eterna é uma impossibilidade humana (veja v. 26,27)

Os discípulos ouvindo as declarações de Jesus logo pasmaram com o grau de seriedade e indagaram que, sendo esses os termos, quem poderia ser salvo? O Senhor responde que a salvação, neste caso, a vida eterna, não é uma coisa que os seres humanos podem alcançar por conta própria, por esforços próprios ou por seus recursos pessoais, mas é algo que apenas Deus pode conceder, ou seja, é um presente, uma dádiva, um dom. a vida eterna é concedida por graça, pela graça, não é uma conquista ou direito humano.

Jesus demonstrou claramente por suas palavras que a vida eterna não é “herança” de direito humana, que ela não pode ser adquirida por nenhuma riqueza material, por nenhum preço que se possa estipular pelos processos de valoração desta existência, mas que a vida que ultrapassa o nosso próprio tempo cronológico e biológico de vida está para além de nossas vontades e desejos, e apenas podendo ser concedida por favor divino em sua soberania.

Quarta – a vida eterna está fundamentada na renúncia (veja v.29,30)

Jesus encerra sua fala respondendo não mais à pergunta do jovem rico – que à essa altura já não participava mis da conversa – mas aos discípulos que também introduziram questionamentos sobre a impossibilidade da salvação, e que pela segunda vez interrogaram Jesus dizendo que se eles mesmos haviam deixado tudo para segui-lo, qual seria a sua recompensa? O Senhor os responde com uma de suas máximas mais contundentes: que a renúncia é o preço para se viver uma vida abençoada aqui e no porvir.

Os discípulos precisavam compreender que a renúncia a tudo o que nos é mais importante, seja família, casa ou bens, é o fator decisivo e definitivo do seguir e do andar com Deus. Seguir a Jesus implicaria em abrir mão de tudo, tudo mesmo para depois receber de volta tudo o que renunciou em medida multiplicada. Esse é o segredo da vida com Jesus: renunciamos a tudo, entregamos tudo a ele, e agora, sendo dono de tudo, ele nos faz mordomos daquilo que é seu. É como se Cristo nos disseste: “Tudo que você tem é meu, agora eu te dou o que é meu para que você cuide para mim por um certo período de tempo!”

Somos apenas mordomos dos bens de Deus. Tudo que temos ou viermos a ter, nossa casa ou casas, nossa família, nosso trabalho, nossos bens e dinheiro, já não são mais nossos, são dele. E ele por infinita misericórdia e graça nos ofereceu a honra de cuidar de todas essas coisas até o dia de sua volta ou de nossa morte. Aos mordomos espera-se que somente sejam fiéis administradores dos bens de seu Amo e Dono, o Senhor.

Queremos ouvir naquele dia: “Muito bem, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mateus 25.21). Ansiamos de Deus em Cristo Jesus a vida eterna!

Bp. Carlos Carvalho
Teólogo, Cientista Social, Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica e fundador da ONG ABAN Brasil.




Notas:

[1] As palavras gregas são: zoen aionon – literalmente vida eterna.

[2] Na Torá as questões sobre a herança tornaram-se parte da cultura do povo de Israel, por exemplo, em Números 27.6-11.

[3] Em Marcos 10.24, Jesus usa a expressão “quão difícil é, para os que confiam nas riquezas, entrar no reino de Deus!”. A expressão “confiam” nos faz entender o ponto que descrevo.

[4] Mateus 6.24.

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