TENSÃO TRIPLA
Acredito que vivemos três
momentos distintos e simultâneos no que diz respeito à fé cristã de nossos
dias:
O primeiro é
o aspecto superficial, não bíblico, sem referências escriturísticas
fundamentadas que permeiam o universo dos crentes de nosso país e também do
Ocidente. Vivemos uma verdadeira falsidade ideológica, no sentido restrito
dessa expressão, ou seja, usar uma identidade que não é a sua. O mais
importante da falsidade ideológica é, para a considerarmos como tal, que a
forma do documento seja verdadeira, ao passo que a fraude esteja inserida no
seu conteúdo. Em outras palavras, apresenta-se como sendo a expressão da
verdade, mas de fato, esconde a realidade da falsificação.
Falsos obreiros, falsas
autoridades, gente não vocacionada ocupando espaços sagrados, dissimuladores e
falsificadores da Palavra, falsos adoradores e um número enorme de pessoas não
libertas das garras dos demônios assumindo a direção de “cultos” de todos os
tipos. Gananciosos, interesseiros, vingativos, libertinos, ociosos,
perturbadores da paz cristã, caluniadores, negociadores da fé, manipuladores de
textos bíblicos para seu lucro pessoal e pseudodetentores da verdade com a capa
de “ungidos” apenas por Deus, ou “mandados” somente pelo Espírito Santo sem o
aval da verdadeira igreja de Cristo. Um batalhão de crentes que desejam ser o
que não são e tampouco foram chamados para ser!
O segundo é o
equívoco da maneira de viver o cristianismo. Isso se inicia na interpretação
errônea do texto sagrado, fazendo-o declarar inverdades, e, no “melhor” das
hipóteses dar ênfases contraditórias ou meias verdades que não trazem real
transformação de vida nem mudança de atitudes dos crentes em relação à moral, à
ética e ao comportamento diário. Assim se gera um exército de gente que se
tornam verdadeiros poços de iniquidade, de palavras torpes, de falsas verdades,
de comportamento dúbio, sem conversão, sem arrependimento e sem Cristo ao
final.
A coisa se aprofunda e o campo de
Deus se torna um reduto de joios, de virgens não preparadas (segundo a parábola
de Jesus), de gente permissiva e sensual, de apóstatas e lobos em pele de
cordeiros, gente para quem as cartas de segunda a Pedro e Judas foram escritas
e que vivem sorrateiramente em nosso meio como se fossem salvos, mas não há
para estes nenhuma esperança de redenção, e como parece que sabem disso,
desejam contaminar o máximo possível de cristãos neófitos e confusos e levá-los
consigo para a sua perdição.
O terceiro
momento simultâneo é a da completa falta de compreensão da vocação e eleição
cristã que pode nos fazer ir ao extremo de perder a própria vida por amor a
Cristo. No Ocidente não vivemos uma perseguição declarada aos cristãos, ao
menos ainda. Há uma intolerância velada contra nós na mídia, nas lutas de
minorias que desejam seus “direitos” em detrimento à revelação bíblica e no
ambiente da educação onde não se permite de maneira pontual uma defesa da fé
cristã e do criacionismo, mas em linhas gerais, uma perseguição geral e feroz
ainda não é uma possibilidade em curto prazo. Isso torna os cristãos ocidentais
uma espécie de anestesiados em relação ao que acontece no mundo oriental e em
lugares de regimes absolutistas.
A exemplo disso, a morte de
cristãos no mundo chega à casa dos 10.000 por ano, somente nos casos
documentados e isso é uma pequena parcela da realidade global. Parece que isso
só nos choca por um momento e depois seguimos com a vida repleta de facilidades
e prazer, e apenas algumas ações pontuais são realizadas por certos grupos de
cristãos atuantes em direção a esses graves problemas com alguns clamores de
oração por eles. Não participamos das dores de nossos irmãos e irmãs mais
efetivamente. Isto não é um chamado a uma cruzada armada em defesa deles, mas
um clamor por uma ação fortemente mais concreta até mesmo na construção e
manutenção de “cidades de refúgio” por parte da igreja mundial em países
tolerantes à nossa fé. Precisa ser uma ação global, incisiva e não armada.
Tudo isso sem mencionar nossa
apatia às demandas de justiça social e carências profundas nas quais vivem o
próprio povo das nações onde os cristãos habitam. Um Evangelho total para o ser
humano passa necessariamente por esforçadas ações humanitárias e solidárias que
já há muito nos foram ensinadas pelo Senhor Jesus na parábola do samaritano. Sabemos
que o mundo (as pessoas que nele habitam) não se torna melhor com o passar do
tempo, mas a igreja de Cristo não pode deixar de comunicar a mensagem do Senhor
e tampouco não agir como Ele agiria se estivesse pessoalmente aqui.
Jesus sabia que o mundo inteiro
não seria transformado por sua mensagem, mas também sabia que bilhões seguiriam
sua vida e ensinos. Talvez não consigamos mudar de fato o mundo, mas não
devemos deixar de acreditar que sua mensagem é a resposta para a raça humana
caída e sujeita ao pecado que a destrói continuamente. Agir como Jesus é amar o
mundo como Ele amou e morreu por isso, é ser agente de transformação e
reconciliação como Ele foi e foi rejeitado por muitos, é ser pacífico e
pacificador como Ele foi, mesmo quando desejam tirar a nossa vida como estão
fazendo em alguns países.
Vivemos a tensão tripla entre a
falsidade ideológica cristã, a práxis da vida cristã e a compreensão da vocação
cristã, e isto em um ambiente nacional e global de tremendas demandas e
necessidades sociais. Tenho dito que não é preciso apenas um retorno à fé
reformada, mas um retorno à fé de Cristo, dos apóstolos do Cordeiro e dos
primeiros discípulos para se criar um novo momento de transformação que o mundo
precisa. Ou isso, ou o retorno de Cristo ao mundo!
© Carlos Carvalho
Teólogo e Cientista Social
Comunidade Batista Bíblica
Seminário Teológico Batista Independente de São Paulo
Universidade Metodista de São Paulo