sábado, 20 de fevereiro de 2016

Toda a Escritura...


TODA A ESCRITURA...


“Toda a Escritura é inspirada por Deus (TODA), e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra.” (II Timóteo 3.16, grifo nosso)


Não é uma parte apenas que é inspirada e útil, mas TODA ela. Não somente uns poucos escritos, mas TODOS os escritos. Não somente uma coleção, mas TODOS os livros que compõem o volume dos 66. Ela é uma unidade espiritualmente ligada entre si. Seu tema central e sua chave hermenêutica é o próprio Deus que se relaciona com a humanidade e com a sua criação por meio de Alianças.

Portanto, não é possível falar em partes, sem mencionar o todo, não é aceitável dizer metade da verdade toda, não é bíblico ser menos bíblico, Jesus ensinou a Escritura, os apóstolos ensinaram a Escritura, tudo o que cremos procede da Escritura TODA. Não dá para racionalizar, para minimizar nem relativizar a Escritura sagrada.

Sola Scriptura

Soli Deo gloria


Carlos Carvalho

Teólogo e Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica

O Novo Testamento e as práticas espirituais



segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Um Estudo sobre a Obediência Bíblica


Um Estudo sobre a Obediência Bíblica


Esta é uma palavra bem conhecida na Escritura Sagrada. Em linhas gerais, com suas variantes, ela aparece mais de 120 vezes nos dois Testamentos. Desde o livro do Gênesis quando o Senhor diz a Adão e Eva para que não tomem do fruto proibido e o casal lhe desobedece até Deus ordenar a Abraão que deixe sua terra e seus parentes para peregrinar em lugares que ele antes não tinha ido ou quando Abraão vai sacrificar seu próprio filho ao Senhor para demonstrar o extremo de sua obediência a Ele, vemos a obediência implícita e explícita nas páginas do livro.

Desde que o Senhor envia Moisés ao Egito como libertador de seu povo e o conduz ao deserto e os prova ali por tantos anos – precisamente por causa da sua resistência a obedecer aos mandamentos dele – até depois de estabelecidos na terra de Canaã, Deus lidou com a desobediência deles por causa de sua imoralidade, rejeição aos comandos de Deus para que não se misturassem com os povos pagãos e nem adorassem seus deuses e ídolos e causando finalmente a expulsão de Israel da terra prometida, vemos em tudo isso a obediência ou a desobediência como o centro das atenções.

No Novo Testamento, esta palavra aparece 48 vezes, portanto, quase metade das vezes de toda a Escritura. A obediência vem com uma série de significados e implicações:

A.    Em Jesus, a palavra assume a perspectiva de que os que creem nele devem “cumprir” ou “praticar”, que significa o mesmo que obedecer, as suas palavras (Mateus 7.24-27). Portanto, nos quatro Evangelhos, a obediência em relação a Jesus está relacionada com a ordem de praticar o que ele ensinou (veja Mateus 28.19,20 e João 15.14).

B.     Em Atos dos apóstolos a obediência tem quatro sentidos. Os apóstolos dizem que vão obedecer a Deus mesmo quando o Sinédrio tenta impedi-los de pregar a mensagem de Cristo (At.5.29); o Espírito Santo só está na vida daqueles que obedecem a Deus (At.5.32); muitos sacerdotes obedeciam a fé em Cristo (At.6.7); e Paulo até mesmo diz que não foi desobediente a uma visão espiritual eu recebeu (At.26.19).

C.     Nas epístolas, a obediência tem vários significados:

Em aos romanos, a obediência está conectada à luta contra o pecado. Ou se obedece ao pecado ou se obedece à justiça (Rom.2.8 e 6.12,16,17) e com a obediência da fé (Rom.10.16 e 15.18).

Em aos coríntios, Paulo estabelece os limites da vida cristã em várias áreas (1 Cor.10.23, por exemplo); faz menção da obediência dos crentes de corinto (2 Cor.2.9 e 7); e ensina que a finalidade da batalha espiritual é a obediência das mentes conquistadas a Cristo (2 Cor.10.3-6).

Em gálatas, a questão está na desobediência dos crentes ao evangelho de Cristo quando eles aceitaram obedecer a certos ritos da Lei, a exemplo da circuncisão, como garantia da salvação. Eles são repreendidos por não obedecerem à verdade de Cristo Jesus (Gál.5.7).

Em efésios, a obediência assume um caráter bem mais prático nas relações humanas, como a relação dos pais e filhos (Ef.6.1) e de patrão e empregado (Ef.6.5).

Em filipenses, o apóstolo descreve o nível de obediência sacrificial de Jesus (Fil.2.8), assim, os crentes devem desenvolver a salvação na obediência prestada ao que lhes foi ensinado (Fil.2.12).

Em colossenses, a questão retorna ao nível mais prático dos relacionamentos (Col.3.20,22).

Em tessalonicenses, a desobediência ao evangelho será julgada (2Tes.1.8) e que a igreja deve notar os que não obedecem às palavras dos apóstolos (2Tes.3.14,15).

Em Tito, os crentes devem ser ensinados a obedecerem as autoridades (Tit.3.1), que é um eco de Romanos 13.

Em hebreus, o autor descreve as consequências da obediência de Cristo a todos os que lhe obedecem (Hb.5.8,9); fala da obediência de Abraão (Hb.11.8) e da obediência aos pastores humanos (Hb.13.17)
.
Em Tiago o foco é a prática da palavra de Deus (Tg.1.19-25) e da relação dos crentes com a Lei moral de Deus (Tg.2.8-13).

Pedro também dá ênfase a uma obediência mais prática que os crentes devem observar (veja, 1Pe.1.2,14 e 3.1,6).

Judas é uma carta que proclama quase que totalmente contra as formas de desobediência dos falsos cristãos e falsos líderes do povo de Deus (v.5-23).

E Apocalipse sinaliza o fim dos que não obedecem a Palavra de Deus nem se santificaram nesta obediência (Ap.21.8 e 22.15).

Por isto é que não podemos tratar a questão da obediência/desobediência como sendo algo de foro íntimo na vida dos cristãos ou somente como coisa de escolha pessoal, pois toda obediência será recompensada e toda desobediência será castigada ao final da história. Quando o profeta Samuel repreendeu o rei Saul por sua desobediência, aquilo não se constituiu apenas como o registro histórico da rejeição de Deus a um rei rebelde, mas a Escritura ali estabeleceu um princípio para além do contexto, que serve a qualquer tempo e a qualquer pessoa. O próprio Jesus se referiu ao princípio em outra ocasião totalmente diferente (leia Mateus 9.13).

Samuel, porém, respondeu: Acaso tem o Senhor tanto prazer em holocaustos e em sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? A obediência é melhor do que o sacrifício, e a submissão é melhor do que a gordura de carneiros.
Pois a rebeldia é como o pecado da feitiçaria, e a arrogância como o mal da idolatria. Assim como você rejeitou a palavra do Senhor, ele o rejeitou como rei.
1 Samuel 15.22,23

Diferentemente do que alguns cristãos e cristãs pensam, a maioria dos pastores e líderes evangélicos – no sentido mais pleno da palavra – não os guiam debaixo de submissão cega ou exigindo obediência irracional (exceções existem, mas são facilmente percebidas). É igualmente importante saber que por mais livre que alguém seja em Cristo, isto não é sinal nem autorização para se agir em insurreição, rebeldia ou para a destruição dos fundamentos da harmonia do corpo de Cristo ou da comunidade de fé local a qual pertence.

Em Cristo.


Bp. Carlos Carvalho
Teólogo e Cientista Social

Comunidade Batista Bíblica

domingo, 7 de fevereiro de 2016

É BÍBLICO TOCAR SHOFAR NO CULTO? Uma resposta histórico-bíblica sobre a questão


É BÍBLICO TOCAR SHOFAR NO CULTO?
Uma resposta histórico-bíblica sobre a questão

Há uma série de vídeos postados nas redes sociais com o tema “Perguntar não ofende”, onde certas perguntas são feitas a alguns líderes cristãos, como o Rev. Augustus Nicodemus Lopes e outros, principalmente de matriz protestante tradicional presbiteriana. Perguntas como ao do título deste comentário e outras com a ênfase em costumes evangélicos atuais são interpretados por estes líderes como desvio da fé, ações judaizantes ou heresias modernas introduzidas na igreja cristã de nossos dias.

Sem intenção alguma de construir ataques pessoais ao caráter e vida cristã piedosa destes homens, que creio serem servos de Cristo sinceros, é salutar que também se dê oportunidade ao contraditório para que a verdade das Escrituras seja mais plenamente defendida e anunciada em nosso meio e para que os aprovados sejam manifestos, segundo o parecer do apóstolo Paulo (1 Coríntios 11:19).

O reverendo acertadamente – por ser um estudioso competente da Teologia e das Escrituras – faz alusões aos utensílios do Templo e aos sacrifícios da Antiga Aliança de Deus com o povo de Israel e demonstra como estas coisas são “sombras” e “tipos” ou “figuras” que expressavam a futura realidade de Cristo – agora entronizado – e que, nele, encontraram o seu cumprimento cabal e final.

O argumento é válido até certo ponto, ou seja, é certo e é fato que essas “sombras e tipos” da Aliança antiga e dos cerimoniais dela foram plenamente satisfeitos em Cristo, mas a associação que o reverendo faz com alguns itens como se fossem partes exclusivas do rito judaico não pode ser sustentada. Este é o exemplo do shofar. E direi o porquê, apenas neste caso específico, pois os demais necessitariam de mais tempo e espaço para fazê-lo.

O shofar foi um instrumento de culto ou de cerimônias que poderíamos associar ao culto ritualístico da Lei, mas não era um instrumento litúrgico, e sim, um instrumento utilizado em culto ou outras situações. Ele é um instrumento de sopro dos mais antigos que se conhece, porém, não era usado somente nas convocações judaicas religiosas, mas era igualmente de uso popular.

Haviam vários instrumentos musicais usados na liturgia e no culto judaico, como o saltério, a cítara, a gaita de foles e o saltério de dez cordas – todos estes mencionados claramente nas Escrituras hebraicas – e dos instrumentos de sopro, dois dos tipos principais eram a corneta (o shofar), feito de chifre de carneiro e a trombeta, feita de prata batida e alongada.

Tanto o shofar como a trombeta eram utilizados em todas as celebrações religiosas, mas somente a trombeta – e não o shofar – era usada exclusivamente para fins sagrados e não militares. Portanto, o shofar não era o instrumento preferencial do culto, e sim, a trombeta de metal. A trombeta, e não o shofar era tocada por ocasião das ofertas queimadas e das ofertas pacíficas, em tempos de guerra, nas coroações reais, nas dedicações, para marcar o início de uma batalha na guerra e para advertir sobre uma invasão (COENEN & BROWN, 2000) . É conclusivo antecipadamente asseverar que tanto o shofar como a trombeta podem ser usados num culto solene a Deus, pois, em primeira instância, todo culto a Deus é sagrado e solene.

Não há nenhuma indicação bíblica, em qualquer das duas Alianças em que um instrumento musical, e neste caso o de sopro, seja alguma figura escatológica e muito menos de “sombra ou tipo” que façam conexão com a pessoa de Cristo. Neste caso particular do shofar, seria falaciosa a ideia de que ele aponte tipologicamente para o Senhor Jesus Cristo em qualquer aspecto, pois não há como o fazê-lo.

Segundo se sabe, os cristãos primitivos aderiram às formas musicais dos hebreus, naqueles lugares onde a igreja contava com um forte núcleo judeu e, nas terras gentílicas, houve adaptações locais (CHAMPLIN, 2001), mas jamais houve proibições de tipos de instrumentos – judaicos ou não – no culto das igrejas, a não ser o caso de condenações a hinos não autorizados onde a igreja cristã vivia em áreas de maioria pagã pelo Concílio de Laodicéia em 364 d.C. (CHAMPLIN, 2001).

A trombeta é mencionada 11 vezes no Novo Testamento conectada com as seguintes situações:

1)      Mateus 6:2 – considerada negativamente por Jesus.
2)      Mateus 24:31 – anunciando a separação dos escolhidos no advento da volta visível do Filho do homem.
3)      1 Coríntios 14:8 – como referência à linguagem inteligível no culto público da igreja.
4)      1 Coríntios 15:52 – no advento da ressurreição dos justos.
5)      1 Tessalonicenses 4:16 – no retorno de Cristo para os seus.
6)      Hebreus 12:19 – na narração da história dos israelitas no Sinai.
7)      Apocalipse 1.10 – no início da visão de João.
8)      4:1 – anunciando mais uma revelação a João.
9)      8:2, 6, 14 – as sete trombetas.
10)  9:14 – outro anjo com trombeta
11)  18:22 – no âmbito do julgamento da Babilônia espiritual futura.

Desta forma, a pergunta não poderia jamais ser se é bíblico tocar shofar no culto cristão ou não, porque esta pergunta não faz sentido algum. Quando o instrumento de sopro é considerado somente como isso: um instrumento de sopro antigo e que não tem nenhuma implicação tipológica ou ritualística cerimonial ou sequer uma “sombra” das coisas futuras, não existe nenhum problema em utilizá-lo em nossas celebrações.

Se fôssemos ser “bíblicos” em tudo o que fazemos, a situação iria ficar complicadíssima para a igreja de nossos dias, pois também teríamos que perguntar coisas do tipo:

É bíblico usar guitarra, bateria, órgão, teclado, microfones, caixas de som, projetores no culto?

É bíblico usar bancos estofados, cadeiras longarinas confortáveis, ventiladores ou ar condicionado, belos bebedouros, e outras comodidades para que os crentes se sintam bem num culto?

É bíblico usar nomenclaturas ou títulos como Escola Bíblica Dominical, Departamentos, ministérios diversos, Culto de Missões, Missionário, Culto de Oração, Reverendo e etc., ou colocar o nome da igreja numa placa?

É bíblico o batismo por aspersão?

As perguntas “bíblicas” poderiam se multiplicar para cada detalhe de todas as coisas que usamos e fazemos hoje como igreja e em nossos cultos. E o pior, haveria alguns versículos no Novo Testamento que nos impediriam de utilizar as coisas do “mundo” para não contaminar a espiritualidade da igreja, como as que mencionam a santidade total que devemos possuir (2 Coríntios 7:1 e etc.) e as que falam para nos afastarmos das coisas que existem no mundo (1 João 2:15-17).

Concluo, que, ao contrário que responde o Reverendo, e respeitando sua posição como erudito cristão conceituado nos meios acadêmicos, que SIM, podemos utilizar o shofar em nossos cultos se desejarmos. Apenas devemos ter o cuidado de ensinar aos nossos que ele não possui nenhum “poder sagrado”, nenhuma condição especial diante de Deus e que não se trata de instrumento mais especial que os outros, porém carrega seus simbolismos antigos, de convocação solene ou de anúncio de algo importante.

Não precisamos abrir mão de coisas simples e belas que foram usadas na adoração a Deus por causa de pessoas equivocadas e sincretistas que são irresponsáveis com a fé alheia e fazem do povo de Deus motivo de lucro (2 Pedro 2), nem por receio de estarmos “judaizando” a igreja de Cristo. Nenhuma destas coisas ou quaisquer outras devem nos impedir de adorarmos e louvarmos o nosso Deus como o próprio Cristo nos ordenou:

Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.
Marcos 12:30

...Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus e só a ele preste culto’".
Mateus 4:10

Por isso, toquem o shofar e todos os instrumentos de cordas, teclas, sopro e peles na adoração e no louvor ao nosso eterno e único Deus, pois Ele é digno.

Louvai ao Senhor! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento do seu poder!
Louvai-o pelos seus atos poderosos; louvai-o conforme a excelência da sua grandeza!
Louvai-o ao som de trombeta; louvai-o com saltério e com harpa!
Louvai-o com adufe e com danças; louvai-o com instrumentos de cordas e com flauta!
Louvai-o com címbalos sonoros; louvai-o com címbalos altissonantes!
Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao Senhor!
Salmos 150

Soli Deo gloria.

Carlos Carvalho
Teólogo formado pelo Seminário Teológico Batista Independente de São Paulo e pela Universidade Metodista de São Paulo.

Bibliografia

Bíblia Sagrada. Nova versão Internacional e Almeida Revisada Imprensa Bíblica

CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento interpretado: versículo por versículo: dicionário – M – Z / volume 7 / por Russell Norman Camplin. 2. ed. – são Paulo: Hagnos, 2001, p.4832-4835.

Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. / Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordon Chown]. – 2. ed. – São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2555.