domingo, 7 de fevereiro de 2016

É BÍBLICO TOCAR SHOFAR NO CULTO? Uma resposta histórico-bíblica sobre a questão


É BÍBLICO TOCAR SHOFAR NO CULTO?
Uma resposta histórico-bíblica sobre a questão

Há uma série de vídeos postados nas redes sociais com o tema “Perguntar não ofende”, onde certas perguntas são feitas a alguns líderes cristãos, como o Rev. Augustus Nicodemus Lopes e outros, principalmente de matriz protestante tradicional presbiteriana. Perguntas como ao do título deste comentário e outras com a ênfase em costumes evangélicos atuais são interpretados por estes líderes como desvio da fé, ações judaizantes ou heresias modernas introduzidas na igreja cristã de nossos dias.

Sem intenção alguma de construir ataques pessoais ao caráter e vida cristã piedosa destes homens, que creio serem servos de Cristo sinceros, é salutar que também se dê oportunidade ao contraditório para que a verdade das Escrituras seja mais plenamente defendida e anunciada em nosso meio e para que os aprovados sejam manifestos, segundo o parecer do apóstolo Paulo (1 Coríntios 11:19).

O reverendo acertadamente – por ser um estudioso competente da Teologia e das Escrituras – faz alusões aos utensílios do Templo e aos sacrifícios da Antiga Aliança de Deus com o povo de Israel e demonstra como estas coisas são “sombras” e “tipos” ou “figuras” que expressavam a futura realidade de Cristo – agora entronizado – e que, nele, encontraram o seu cumprimento cabal e final.

O argumento é válido até certo ponto, ou seja, é certo e é fato que essas “sombras e tipos” da Aliança antiga e dos cerimoniais dela foram plenamente satisfeitos em Cristo, mas a associação que o reverendo faz com alguns itens como se fossem partes exclusivas do rito judaico não pode ser sustentada. Este é o exemplo do shofar. E direi o porquê, apenas neste caso específico, pois os demais necessitariam de mais tempo e espaço para fazê-lo.

O shofar foi um instrumento de culto ou de cerimônias que poderíamos associar ao culto ritualístico da Lei, mas não era um instrumento litúrgico, e sim, um instrumento utilizado em culto ou outras situações. Ele é um instrumento de sopro dos mais antigos que se conhece, porém, não era usado somente nas convocações judaicas religiosas, mas era igualmente de uso popular.

Haviam vários instrumentos musicais usados na liturgia e no culto judaico, como o saltério, a cítara, a gaita de foles e o saltério de dez cordas – todos estes mencionados claramente nas Escrituras hebraicas – e dos instrumentos de sopro, dois dos tipos principais eram a corneta (o shofar), feito de chifre de carneiro e a trombeta, feita de prata batida e alongada.

Tanto o shofar como a trombeta eram utilizados em todas as celebrações religiosas, mas somente a trombeta – e não o shofar – era usada exclusivamente para fins sagrados e não militares. Portanto, o shofar não era o instrumento preferencial do culto, e sim, a trombeta de metal. A trombeta, e não o shofar era tocada por ocasião das ofertas queimadas e das ofertas pacíficas, em tempos de guerra, nas coroações reais, nas dedicações, para marcar o início de uma batalha na guerra e para advertir sobre uma invasão (COENEN & BROWN, 2000) . É conclusivo antecipadamente asseverar que tanto o shofar como a trombeta podem ser usados num culto solene a Deus, pois, em primeira instância, todo culto a Deus é sagrado e solene.

Não há nenhuma indicação bíblica, em qualquer das duas Alianças em que um instrumento musical, e neste caso o de sopro, seja alguma figura escatológica e muito menos de “sombra ou tipo” que façam conexão com a pessoa de Cristo. Neste caso particular do shofar, seria falaciosa a ideia de que ele aponte tipologicamente para o Senhor Jesus Cristo em qualquer aspecto, pois não há como o fazê-lo.

Segundo se sabe, os cristãos primitivos aderiram às formas musicais dos hebreus, naqueles lugares onde a igreja contava com um forte núcleo judeu e, nas terras gentílicas, houve adaptações locais (CHAMPLIN, 2001), mas jamais houve proibições de tipos de instrumentos – judaicos ou não – no culto das igrejas, a não ser o caso de condenações a hinos não autorizados onde a igreja cristã vivia em áreas de maioria pagã pelo Concílio de Laodicéia em 364 d.C. (CHAMPLIN, 2001).

A trombeta é mencionada 11 vezes no Novo Testamento conectada com as seguintes situações:

1)      Mateus 6:2 – considerada negativamente por Jesus.
2)      Mateus 24:31 – anunciando a separação dos escolhidos no advento da volta visível do Filho do homem.
3)      1 Coríntios 14:8 – como referência à linguagem inteligível no culto público da igreja.
4)      1 Coríntios 15:52 – no advento da ressurreição dos justos.
5)      1 Tessalonicenses 4:16 – no retorno de Cristo para os seus.
6)      Hebreus 12:19 – na narração da história dos israelitas no Sinai.
7)      Apocalipse 1.10 – no início da visão de João.
8)      4:1 – anunciando mais uma revelação a João.
9)      8:2, 6, 14 – as sete trombetas.
10)  9:14 – outro anjo com trombeta
11)  18:22 – no âmbito do julgamento da Babilônia espiritual futura.

Desta forma, a pergunta não poderia jamais ser se é bíblico tocar shofar no culto cristão ou não, porque esta pergunta não faz sentido algum. Quando o instrumento de sopro é considerado somente como isso: um instrumento de sopro antigo e que não tem nenhuma implicação tipológica ou ritualística cerimonial ou sequer uma “sombra” das coisas futuras, não existe nenhum problema em utilizá-lo em nossas celebrações.

Se fôssemos ser “bíblicos” em tudo o que fazemos, a situação iria ficar complicadíssima para a igreja de nossos dias, pois também teríamos que perguntar coisas do tipo:

É bíblico usar guitarra, bateria, órgão, teclado, microfones, caixas de som, projetores no culto?

É bíblico usar bancos estofados, cadeiras longarinas confortáveis, ventiladores ou ar condicionado, belos bebedouros, e outras comodidades para que os crentes se sintam bem num culto?

É bíblico usar nomenclaturas ou títulos como Escola Bíblica Dominical, Departamentos, ministérios diversos, Culto de Missões, Missionário, Culto de Oração, Reverendo e etc., ou colocar o nome da igreja numa placa?

É bíblico o batismo por aspersão?

As perguntas “bíblicas” poderiam se multiplicar para cada detalhe de todas as coisas que usamos e fazemos hoje como igreja e em nossos cultos. E o pior, haveria alguns versículos no Novo Testamento que nos impediriam de utilizar as coisas do “mundo” para não contaminar a espiritualidade da igreja, como as que mencionam a santidade total que devemos possuir (2 Coríntios 7:1 e etc.) e as que falam para nos afastarmos das coisas que existem no mundo (1 João 2:15-17).

Concluo, que, ao contrário que responde o Reverendo, e respeitando sua posição como erudito cristão conceituado nos meios acadêmicos, que SIM, podemos utilizar o shofar em nossos cultos se desejarmos. Apenas devemos ter o cuidado de ensinar aos nossos que ele não possui nenhum “poder sagrado”, nenhuma condição especial diante de Deus e que não se trata de instrumento mais especial que os outros, porém carrega seus simbolismos antigos, de convocação solene ou de anúncio de algo importante.

Não precisamos abrir mão de coisas simples e belas que foram usadas na adoração a Deus por causa de pessoas equivocadas e sincretistas que são irresponsáveis com a fé alheia e fazem do povo de Deus motivo de lucro (2 Pedro 2), nem por receio de estarmos “judaizando” a igreja de Cristo. Nenhuma destas coisas ou quaisquer outras devem nos impedir de adorarmos e louvarmos o nosso Deus como o próprio Cristo nos ordenou:

Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.
Marcos 12:30

...Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus e só a ele preste culto’".
Mateus 4:10

Por isso, toquem o shofar e todos os instrumentos de cordas, teclas, sopro e peles na adoração e no louvor ao nosso eterno e único Deus, pois Ele é digno.

Louvai ao Senhor! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento do seu poder!
Louvai-o pelos seus atos poderosos; louvai-o conforme a excelência da sua grandeza!
Louvai-o ao som de trombeta; louvai-o com saltério e com harpa!
Louvai-o com adufe e com danças; louvai-o com instrumentos de cordas e com flauta!
Louvai-o com címbalos sonoros; louvai-o com címbalos altissonantes!
Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao Senhor!
Salmos 150

Soli Deo gloria.

Carlos Carvalho
Teólogo formado pelo Seminário Teológico Batista Independente de São Paulo e pela Universidade Metodista de São Paulo.

Bibliografia

Bíblia Sagrada. Nova versão Internacional e Almeida Revisada Imprensa Bíblica

CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento interpretado: versículo por versículo: dicionário – M – Z / volume 7 / por Russell Norman Camplin. 2. ed. – são Paulo: Hagnos, 2001, p.4832-4835.

Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. / Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordon Chown]. – 2. ed. – São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2555.

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