sexta-feira, 21 de março de 2014



Um conto antigo de sedução, adultério e tragédia.

Esta é um tipo de narrativa literária que era conhecida de muitos povos da antiguidade. Esta, em particular, é de mais de 3.000 anos atrás, do século X a.C.

Da janela de minha casa olhei através da grade
e vi entre os inexperientes, no meio dos jovens, um rapaz sem juízo.
Ele vinha pela rua, próximo à esquina de certa mulher, andando em direção à casa dela
Era crepúsculo, o entardecer do dia, chegavam as sombras da noite, crescia a escuridão.
A mulher veio então ao seu encontro, vestida como prostituta, cheia de astúcia no coração.
(Ela é espalhafatosa e provocadora, seus pés nunca param em casa;
uma hora na rua, outra nas praças, em cada esquina fica à espreita.)
Ela agarrou o rapaz, beijou-o e lhe disse descaradamente:
"Tenho em casa a carne dos sacrifícios de comunhão, que hoje fiz para cumprir os meus votos.
Por isso saí para encontrá-lo; vim à sua procura e o encontrei!
Estendi sobre o meu leito cobertas de linho fino do Egito.
Perfumei a minha cama com mirra, aloés e canela.
Venha, vamos embriagar-nos de carícias até o amanhecer; gozemos as delícias do amor!
Pois o meu marido não está em casa; partiu para uma longa viagem.
Levou uma bolsa cheia de prata e não voltará antes da lua cheia".
Com a sedução das palavras o persuadiu, e o atraiu com o dulçor dos lábios.
Imediatamente ele a seguiu como o boi levado ao matadouro, ou como o cervo que vai cair no laço
até que uma flecha lhe atravesse o fígado, ou como o pássaro que salta para dentro do alçapão, sem saber que isso lhe custará a vida.
Então, meu filho, ouça-me; dê atenção às minhas palavras.
Não deixe que o seu coração se volte para os caminhos dela, nem se perca em tais veredas.
Muitas foram as suas vítimas; os que matou são uma grande multidão.
A casa dela é um caminho que desce para a sepultura, para as moradas da morte

(Provérbios, cap.7. NVI)

Carlos Carvalho
Teólogo


Imagem: Pergaminho do AT. 

terça-feira, 11 de março de 2014


ton grammateun (os escribas)

46 Guardai-vos dos escribas, que querem andar com vestes compridas; e amam as saudações nas praças, e as principais cadeiras nas sinagogas, e os primeiros lugares nos banquetes;
47 Que devoram as casas das viúvas, fazendo, por pretexto, longas orações. Estes receberão maior condenação.
Lucas 20

Os escribas eram parte da elite de Israel daquela época, não somente da elite religiosa, mas também da elite social e política da nação. Estes grammateus (gr.) eram os homens das letras, os intérpretes e professores da lei mosaica. Politicamente eram associados aos fariseus e por vezes se aproximavam de alguns sacerdotes. Eram ambiciosos por honra a qual exigiam principalmente de seus alunos. Suas funções transitavam entre ensinar a lei, desenvolvê-la e aplica-la no Sinédrio e ocupavam-se dos escritos sagrados históricos e didáticos, dando maior importância aos preceitos externos da lei.

Sempre que Jesus podia lançava palavras de repreensão ao estilo de vida dos escribas e dos fariseus. Isso ficou tão comum e conhecido nos evangelhos, que mesmo em nossos dias fazemos alusões a certos comportamentos dos que se dizem cristãos, como ações de escribas e fariseus, dada a sua proximidade com o estilo não espiritual, porém altamente litúrgico e religioso de conduzir a vida. Em nosso texto inicial está apenas mais um caso dessas repreensões.

O Senhor Jesus diz às pessoas que estão próximas dele naquele momento para terem cuidado com os escribas e suas atitudes, e certamente ele faz isso para que os que o ouvem não venham a imitar o modelo daqueles homens. Jesus aponta principalmente duas ações dos escribas que nos parece lhe causar náuseas. A primeira é a intensa busca dos escribas pela honra ostentatória e a segunda é a extorsão às viúvas que eles fingem cuidar como se fizessem ações de solidariedade amorosa.

Honra Ostentatória

Os escribas gostavam dos “holofotes”, de serem o centro das atenções, de serem as “estrelas” nos ambientes. Gostavam de festas, principalmente daquelas que lhes dessem visibilidade social a fim de manterem seu status. Gostavam de chegar e serem anunciados como pessoas importantes (eram os VIP’s). Vestiam-se com o intuito de serem elogiados por causa das roupas. Eles de fato eram pessoas naturalmente importantes pela função que ocupavam na nação e nas escolas, mas não estavam satisfeitos com isso, queriam e buscavam mais.

Privilégios, primeiro lugares, honra social, saudações de todos, respeito da sociedade, estas eram as coisas que tinham valor externo para esses homens, mesmo que não estivessem dispostos a viver como ensinavam. Por isso Jesus sempre foi tão duro com eles, porque não faziam aquilo que diziam para as pessoas fazerem. Procuravam alternativas para que a dura exigência de suas próprias leis não os atingisse. Eram verdadeiros profissionais da política de sua época. Estes escribas se parecem muito com os dois principais tipos de pessoas de hoje: os chamados “formadores de opiniões” (celebridades, artistas e famosos) e os políticos. Pessoas que de fato ocupam posições privilegiadas, mas são moralmente reprovados na vida.

Extorsão Material

O segundo versículo de nosso texto aponta para a extorsão material que os escribas realizavam, mas não era uma extorsão comum (se é que há algo comum na extorsão), porém uma extorsão em nome da espiritualidade, da religião judaica. Sob o pretexto de levar consolo por meio das orações às viúvas que haviam perdido seus maridos ou que estavam agora dependentes de um sistema que não lhes favorecia a vida, estes “salvadores” e “solidários” homens se colocavam à disposição delas com a aparência de auxílio, mas lhes cobravam e exigiam os recursos herdados por elas. E o pior, é que tudo isso era feito em nome de Deus e pelo bem da religião judaica.

Não é que as pessoas rejeitavam a ideia de oferecer parte de seus recursos a Deus, ao templo ou mesmo a algum sacerdote. Isso fazia parte da história de Israel desde a antiguidade. A Torá conta que já após o Éden o homem oferecia ofertas e dízimos a Deus e aos serviços religiosos dos mais diversos. Deus foi quem instituiu estas coisas na Lei. Ele mesmo reclama quando seu povo deixa de ofertar para cuidar somente de si mesmos em Malaquias 3 e Ageu 1. Portanto, o povo jamais reclamou por ter que dizimar e ofertar. O próprio Jesus exaltava as ofertas que certas pessoas davam, como no caso da viúva e de Zaqueu. O problema não era esse.

Os escribas ultrapassavam os limites estabelecidos pela Palavra de Deus acerca das ofertas e frequentemente exigiam daqueles que se aproximavam aquilo que era ilegítimo e moralmente inaceitável e isso sem sentir qualquer remorso. Não consideravam erro o que faziam e não se preocupavam com a repercussão disso. Abusavam espiritualmente da fé e da confiança das pessoas, fazendo com que elas lhes dessem mais do era o mandato divino com a finalidade de manterem seu estilo de vida luxuoso e irresponsável. Irresponsável, porque não prestavam contas a ninguém e, tampouco, cuidavam de fato dos que diziam cuidar.

Neste ponto, os escribas se parecem muito, para minha vergonha, com certos líderes religiosos de nosso tempo, tanto dos que criaram seitas, como dos que usam a igreja cristã para manifestar sua malignidade e interesses pessoais destituídos de valor moral dos mais profundos. Extorquem a igreja com mentiras, falsas promessas, falsas profecias e “revelações” que foram criadas por suas mentes obscuras e demonizadas. Mas o pior de tudo, é que infelizmente (não sei como isso acontece) existem milhões de pessoas que seguem estes indivíduos, assim como uma sociedade inteira de Israel, temia e obedecia aos escribas.

A palavra de Jesus para o povo é: “Guardai-vos!” Isto significa que Jesus estava advertindo as pessoas a não seguirem e obedecerem a homens desta estirpe. Afastar-se deles é extremamente importante e procurar líderes mais espirituais e mais comprometidos com a Palavra de Deus é igualmente sadio. É bom ressaltar que a ordem de Jesus não é um convite à rebelião, à insurreição, a não ofertar nem dizimar mais ou ao afastamento da igreja, como alguns erroneamente (e também demonizadamente) propagam e incentivam, mas um convite ao pensamento, à reflexão e a análise da vida e da fé, tanto dos falsos líderes, como da nossa, porque os que agem como os escribas receberão “uma maior condenação”, segundo o Senhor Jesus.


Carlos Carvalho
Teólogo e Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica
Sábado, 8 de março de 2014

Referências:
LUIZ, Waldyr Carvalho. Novo Testamento Interlinear / Waldyr Carvalho Luiz. – São Paulo, SP: Hagnos, 2010.
VINE, UNGER e WHITE. Dicionário Vine / W.E. Vine, Merril F. Unger, Willian White Jr. [trad. Luis Aron de Macedo]. – Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2003.
Imagem: Os escribas. http://www.thisexplainsmore.com/2013/02/jesus-heals-paralyzed-man-walks-scribes.html


domingo, 2 de março de 2014


CRUZ, SEGUIR E SER DISCÍPULO

“E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo.”
Lucas 14.27

Estas são as três expressões mais importantes e contundentes neste versículo. São as imagens mais cristãs do próprio Cristianismo: a cruz, uma pessoa seguindo Jesus e se tornando um discípulo dele. Esta é a essência da fé cristã. A fé em Jesus Cristo está diretamente relacionada com o carregar a cruz pessoal que indica e demonstra o compromisso da própria vida com ele. Da mesma forma, esta fé é absorvida pelo seguidor e entranhada em seu ser a ponto de sua caminhada diária ser drasticamente afetada por isso. E por fim, o seguir a Jesus e carregar a cruz-compromisso, leva este indivíduo a se reconhecer e ser reconhecido como um discípulo de Jesus.

O contexto no qual está esta fala é bem plural. Nele a tríplice expressão cruz-seguir-discípulo está relacionada com outras três coisas. Fala da construção de uma torre, de um Estado em guerra e do sal. Jesus nos diz que a fé comprometida com ele é como quando alguém começa a construir algo e precisa ter a certeza que terá os recursos necessários para terminá-la, sob a pena de ser envergonhado se não completa-la. Igualmente, isto está conectado a um Estado que pretende ir à guerra, mas antes precisa ter a certeza de que seu exército é poderoso o suficiente para enfrentar seu oponente, senão deverá mandar proposta de paz. E ao final, estar comprometido com Jesus é ser como o sal que mantém a sua propriedade e seu sabor, pois do contrário será jogado fora.

Jesus encerra sua fala com a famosa e desconcertante frase: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Isto porque as expressões que ele utiliza para tratar de um assunto tão sério e difícil de digerir são igualmente reveladoras e graves. Carregar a cruz pessoal, seguir Jesus independente de qualquer coisa e tornar-se seu discípulo é uma questão tão séria, profunda e de difícil aceitação para aqueles que não estão dispostos a viver a vida desta forma, que é necessário levar em conta o preço envolvido nesta decisão. Ser envergonhado por não conseguir terminar o que começou por falta de sabedoria e recursos, ser obrigado a rever sua decisão por perceber que não conseguirá suportar a pressão e a “guerra” que envolve andar com Jesus e ser rejeitado ao final por não ter mantido a essência de sua fé e não ter sido fiel é imensamente grave. Eternamente grave.

O Cristianismo foi vituperado, envergonhado e manchado por causa daqueles que não compreenderam a dimensão da responsabilidade que ele representa. A verdade da Palavra de Deus foi diluída nas filosofias de vida, nas expressões de autoajuda, de “verdades” alternativas, dos conceitos pós-modernistas e de uma teologia fraca e desejosa de ser aceita por todos. A fé em Cristo foi enfraquecida por vidas corrompidas, por uma liderança oportunista e gente não preparada, por ministros profissionais, por pecadores e imorais na pele de ovelhas e por alguns que rejeitam o sobrenatural de Deus porque desejam alterar a realidade do julgamento do Senhor contra eles. Mas como afirmou o apóstolo Paulo:

2  E bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade sobre os que tais coisas fazem.
3  E tu, ó homem, que julgas os que fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo de Deus?
4  Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento?
5  Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus;
6  O qual recompensará cada um segundo as suas obras; a saber:
7  A vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção;
8  Mas a indignação e a ira aos que são contenciosos, desobedientes à verdade e obedientes à iniqüidade;
9  Tribulação e angústia sobre toda a alma do homem que faz o mal; primeiramente do judeu e também do grego;
10  Glória, porém, e honra e paz a qualquer que pratica o bem; primeiramente ao judeu e também ao grego;
11  Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas.
Romanos 2.2-11

Já ouvi muitas vezes de líderes de várias denominações que quando falamos muito enfaticamente sobre essas coisas é porque temos algo a esconder, porque queremos afastar os olhares dos outros dos nossos pecados e coisas semelhantes. Estes homens e mulheres somente deixam passar uma importante questão: só quem já caiu em desgraça, quem já foi envergonhado ou teve sua arrogância julgada por Deus é quem sabe a real potência da destruição que uma vida fraca, uma liderança corrompida e uma verdade diluída podem causar no reino, na igreja, na família e na própria vida. Portanto, é preciso falar sobre estas coisas a qualquer tempo para que a próxima geração de cristãos viva uma vida mais plena na presença de Cristo no meio de um mundo que se esfacela e se destrói no pecado a cada dia que passa.

Outros nos interpelam dizendo que este tipo de mensagem é dura, não atrai ouvintes e não dá crescimento à igreja nos dias de hoje. Estou tentado a concordar com estes, mas quem nos disse que o Evangelho ganharia os corações dos homens e mulheres do mundo todo? Quem nos informou que ter uma multidão em nossos cultos é sinal que Deus está presente lá? Embora acredite sinceramente que existiram e existem lugares que Deus abençoa grandemente com multidões que não temos explicações naturais para isso (e a maioria dos pastores querem que suas igrejas cresçam), os números jamais foram os indicadores da bênção do Senhor.

É preciso um equilíbrio no entendimento. Nas Escrituras encontramos Deus guiando multidões no Antigo e no Novo Testamento, mas também vemos Deus agindo e se importando com poucos e mesmo com um ou dois. Tudo isto é para nos dar equidade, pois nosso Deus é o Deus do mundo, das multidões, mas de um também! Voltando ao nosso texto, termino dizendo que cada um de nós precisa procurar compreender a dimensão do preço que está sendo exigido por Jesus no caminhar com ele. É certo que alguns acharão o preço muito alto, mas ele não está disposto a fazer concessões por causa de ninguém e o risco de apostar numa possível mudança de pensamento do Senhor por causa de seu “amor” é elevadíssimo e com resultados eternamente indesejáveis.

Após Jesus ter ensinado aos muitos discípulos iniciais que andavam com ele sobre sua carne e seu sangue intimamente ligados ao compromisso de servi-lo em João 6: 41-68, um grupo grande deixou de acompanhá-lo por considerar o discurso muito duro. Lucas nos informa que a princípio Jesus tinha setenta discípulos (Lc 10.1), se estes ainda estavam com ele em João 6, então, 58 o deixaram, restando apenas 12. O Senhor não se irrita com eles e ainda faz aos doze a pergunta se eles também não desejavam fazer o mesmo, com a famosa resposta de Pedro de que eles não tinham intenção de deixá-lo, pois reconheciam que somente ele era a resposta para os seus mais profundos anseios (João 6.68-69).
         
           A pergunta continua a mesma para mim e para você: “Quereis vós também retirar-vos?” (João 6.67). O preço é bem alto, mas a recompensa vale o custo!

© Carlos Carvalho

Teólogo, graduando em Ciências Sociais e Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica