terça-feira, 11 de março de 2014


ton grammateun (os escribas)

46 Guardai-vos dos escribas, que querem andar com vestes compridas; e amam as saudações nas praças, e as principais cadeiras nas sinagogas, e os primeiros lugares nos banquetes;
47 Que devoram as casas das viúvas, fazendo, por pretexto, longas orações. Estes receberão maior condenação.
Lucas 20

Os escribas eram parte da elite de Israel daquela época, não somente da elite religiosa, mas também da elite social e política da nação. Estes grammateus (gr.) eram os homens das letras, os intérpretes e professores da lei mosaica. Politicamente eram associados aos fariseus e por vezes se aproximavam de alguns sacerdotes. Eram ambiciosos por honra a qual exigiam principalmente de seus alunos. Suas funções transitavam entre ensinar a lei, desenvolvê-la e aplica-la no Sinédrio e ocupavam-se dos escritos sagrados históricos e didáticos, dando maior importância aos preceitos externos da lei.

Sempre que Jesus podia lançava palavras de repreensão ao estilo de vida dos escribas e dos fariseus. Isso ficou tão comum e conhecido nos evangelhos, que mesmo em nossos dias fazemos alusões a certos comportamentos dos que se dizem cristãos, como ações de escribas e fariseus, dada a sua proximidade com o estilo não espiritual, porém altamente litúrgico e religioso de conduzir a vida. Em nosso texto inicial está apenas mais um caso dessas repreensões.

O Senhor Jesus diz às pessoas que estão próximas dele naquele momento para terem cuidado com os escribas e suas atitudes, e certamente ele faz isso para que os que o ouvem não venham a imitar o modelo daqueles homens. Jesus aponta principalmente duas ações dos escribas que nos parece lhe causar náuseas. A primeira é a intensa busca dos escribas pela honra ostentatória e a segunda é a extorsão às viúvas que eles fingem cuidar como se fizessem ações de solidariedade amorosa.

Honra Ostentatória

Os escribas gostavam dos “holofotes”, de serem o centro das atenções, de serem as “estrelas” nos ambientes. Gostavam de festas, principalmente daquelas que lhes dessem visibilidade social a fim de manterem seu status. Gostavam de chegar e serem anunciados como pessoas importantes (eram os VIP’s). Vestiam-se com o intuito de serem elogiados por causa das roupas. Eles de fato eram pessoas naturalmente importantes pela função que ocupavam na nação e nas escolas, mas não estavam satisfeitos com isso, queriam e buscavam mais.

Privilégios, primeiro lugares, honra social, saudações de todos, respeito da sociedade, estas eram as coisas que tinham valor externo para esses homens, mesmo que não estivessem dispostos a viver como ensinavam. Por isso Jesus sempre foi tão duro com eles, porque não faziam aquilo que diziam para as pessoas fazerem. Procuravam alternativas para que a dura exigência de suas próprias leis não os atingisse. Eram verdadeiros profissionais da política de sua época. Estes escribas se parecem muito com os dois principais tipos de pessoas de hoje: os chamados “formadores de opiniões” (celebridades, artistas e famosos) e os políticos. Pessoas que de fato ocupam posições privilegiadas, mas são moralmente reprovados na vida.

Extorsão Material

O segundo versículo de nosso texto aponta para a extorsão material que os escribas realizavam, mas não era uma extorsão comum (se é que há algo comum na extorsão), porém uma extorsão em nome da espiritualidade, da religião judaica. Sob o pretexto de levar consolo por meio das orações às viúvas que haviam perdido seus maridos ou que estavam agora dependentes de um sistema que não lhes favorecia a vida, estes “salvadores” e “solidários” homens se colocavam à disposição delas com a aparência de auxílio, mas lhes cobravam e exigiam os recursos herdados por elas. E o pior, é que tudo isso era feito em nome de Deus e pelo bem da religião judaica.

Não é que as pessoas rejeitavam a ideia de oferecer parte de seus recursos a Deus, ao templo ou mesmo a algum sacerdote. Isso fazia parte da história de Israel desde a antiguidade. A Torá conta que já após o Éden o homem oferecia ofertas e dízimos a Deus e aos serviços religiosos dos mais diversos. Deus foi quem instituiu estas coisas na Lei. Ele mesmo reclama quando seu povo deixa de ofertar para cuidar somente de si mesmos em Malaquias 3 e Ageu 1. Portanto, o povo jamais reclamou por ter que dizimar e ofertar. O próprio Jesus exaltava as ofertas que certas pessoas davam, como no caso da viúva e de Zaqueu. O problema não era esse.

Os escribas ultrapassavam os limites estabelecidos pela Palavra de Deus acerca das ofertas e frequentemente exigiam daqueles que se aproximavam aquilo que era ilegítimo e moralmente inaceitável e isso sem sentir qualquer remorso. Não consideravam erro o que faziam e não se preocupavam com a repercussão disso. Abusavam espiritualmente da fé e da confiança das pessoas, fazendo com que elas lhes dessem mais do era o mandato divino com a finalidade de manterem seu estilo de vida luxuoso e irresponsável. Irresponsável, porque não prestavam contas a ninguém e, tampouco, cuidavam de fato dos que diziam cuidar.

Neste ponto, os escribas se parecem muito, para minha vergonha, com certos líderes religiosos de nosso tempo, tanto dos que criaram seitas, como dos que usam a igreja cristã para manifestar sua malignidade e interesses pessoais destituídos de valor moral dos mais profundos. Extorquem a igreja com mentiras, falsas promessas, falsas profecias e “revelações” que foram criadas por suas mentes obscuras e demonizadas. Mas o pior de tudo, é que infelizmente (não sei como isso acontece) existem milhões de pessoas que seguem estes indivíduos, assim como uma sociedade inteira de Israel, temia e obedecia aos escribas.

A palavra de Jesus para o povo é: “Guardai-vos!” Isto significa que Jesus estava advertindo as pessoas a não seguirem e obedecerem a homens desta estirpe. Afastar-se deles é extremamente importante e procurar líderes mais espirituais e mais comprometidos com a Palavra de Deus é igualmente sadio. É bom ressaltar que a ordem de Jesus não é um convite à rebelião, à insurreição, a não ofertar nem dizimar mais ou ao afastamento da igreja, como alguns erroneamente (e também demonizadamente) propagam e incentivam, mas um convite ao pensamento, à reflexão e a análise da vida e da fé, tanto dos falsos líderes, como da nossa, porque os que agem como os escribas receberão “uma maior condenação”, segundo o Senhor Jesus.


Carlos Carvalho
Teólogo e Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica
Sábado, 8 de março de 2014

Referências:
LUIZ, Waldyr Carvalho. Novo Testamento Interlinear / Waldyr Carvalho Luiz. – São Paulo, SP: Hagnos, 2010.
VINE, UNGER e WHITE. Dicionário Vine / W.E. Vine, Merril F. Unger, Willian White Jr. [trad. Luis Aron de Macedo]. – Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2003.
Imagem: Os escribas. http://www.thisexplainsmore.com/2013/02/jesus-heals-paralyzed-man-walks-scribes.html


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