Confusões Cristãs
Crentes neófitos ensinando a “igreja”
“Não neófito, para que,
ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo.” (ACRF)
“Não pode ser recém-convertido,
para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o diabo.” (NVI)
1 Timóteo 3:6
A expressão “neófito” vem do
grego neofuton
(neophiton), cujo significado literal pode ser descrito como “planta
nova”. Esse é o sentido exato para a correlação que fazemos com a expressão
“novo convertido”. Um cristão neófito – Paulo não descreve o tempo exato deste
período – é aquele que não amadureceu na vida cristã, no conhecimento do Senhor
e das Escrituras, ao mesmo tempo em que pode ser tomado ou inchado por orgulho
ou soberba – a palavra grega para isso é tufoqeiV
(tiphoteis), que significa “esfumaçado” – que fará com que caia em
condenação semelhante a do diabo, ou seja, fique num estado parecido com o
dele.
Nestes últimos dias temos visto
uma enxurrada de escritos e vídeos que tentam defender a fé evangélica de todas
as formas contra heresias introduzidas no meio das igrejas, conceitos errôneos
sobre a espiritualidade, contras manifestações espirituais não bíblicas,
certamente de fonte de outros espíritos e não do Espírito Santo. Ao mesmo
tempo, tentam explicar o Evangelho de maneira que ele seja entendido e vivido
como era a intenção dos autores bíblicos do novo Testamento. Tudo isso é
extremamente valioso e tem um fundo de boa intenção e zelo pelas verdades das
Escrituras.
Só que paralelamente a tudo isso,
vemos outro extremo acontecer. Deste lado da trincheira os crentes também
torcem as Escrituras para fazê-la dizer o que desejam a partir de sua
cosmovisão, criam conceitos a partir do racionalismo e do relativismo secular,
fomentam uma diáspora das igrejas instituídas, chamando-as de “denominações”,
dizendo-se de si mesmos que são a “igreja”, sem, contudo, levar em consideração
que as reuniões da igreja no Novo Testamento eram diárias, semanais e
contínuas, e que não há igreja sem a congregação e sem culto a Deus público.
Há uma bateria gigantesca de
gente neófita dando ensino bíblico, na tentativa de demonstrar que as
“denominações” e “igrejas instituídas” estão erradas em sua forma, em sua
administração, na coleta dos dízimos e ofertas, no sustento dos pastores,
presbíteros ou bispos e em algumas outras particularidades. Esses(as)
neófitos(as) e desigrejados(as), pensando que a salvação nos deixa livres e sem
responsabilidades diárias com a fé e a igreja, que Cristo prescinde de seu
corpo local, que os pastores e bispos nunca foram sustentados pela igreja e que
pensam que as Escrituras inspiradas são apenas as do Novo Testamento – mas
desconfio que acreditam somente nas cartas de Paulo – não conhecem
profundamente o que ensinam e, tampouco têm condições de ensinar a ninguém.
O modus operandi destes cristãos é semelhante aquele empregado pelos
ateus em sua militância contra os cristãos: a rejeição de toda e qualquer
autoridade, a agressividade das palavras, o desrespeito com o qual tratam os
outros que são o alvo de ataques, a desconfiança geral levantada contra
qualquer pessoa em qualquer posição espiritual, desconsideração pela hierarquia
eclesiástica descrita no Novo Testamento para o aperfeiçoamento dos santos e
coisas semelhantes a essas, tudo isso com a utilização de argumentação com
certos textos bíblicos. Qual a diferença entre estes e aqueles? Apenas a
crença!
Há ainda algo que estranho
profundamente nestes “defensores(as)”: sua quase que total rejeição e ódio
contra a parte das Escrituras inspiradas que eles chamam de “lei”, sim, digo
isso porque é exatamente assim, há algo no texto que eles pensam que é a lei de
Deus. Exercem quase um ódio visceral contra ela, coisa que nenhum reformador
fez, nenhum escritor ou pastor sério dos séculos anteriores, nem sequer Paulo,
Pedro ou qualquer outro escritor bíblico neotestamentário fez. Agora estes,
mergulhados em arrogância e rejeição espiritual à Palavra de Deus, se fazem
mestres destas coisas, esquecendo-se da consequência descrita acerca dos que
assim procedem (Tiago 3.1).
Parecem fazer confusão entre o
que chamam de lei e os textos da lei. Por exemplo, pensam que o Gênesis faz
parte da Lei de Deus, apenas por que figura na Torá judaica – não conhecendo a
realidade de que a Torá é para os judeus o conjunto de livros escritos por
Moisés e não a Lei em sua totalidade – e que não há nada, repito, nada da Lei
no livro do Gênesis. Isto é tão claramente verdadeiro que em Cristo somos
conectados de volta às origens, ao retorno da posição anterior à queda (com o
limitante da morte física ainda); mas sem o poder pecado; Cristo, como o
segundo Adão, nos leva de volta ao plano original de Deus, às promessas feitas
a Abraão; em Cristo nos tornamos descendentes de Abraão e capazes de desfrutar
do que foi a ele prometido e assim por diante. Em Cristo voltamos ao Gênesis, e
não à lei civil e cerimonial judaica.
Paulo afirma que a lei é boa,
santa e espiritual (Romanos 7.12-14) e que o problema é a minha carne
pecaminosa não regenerada que atrapalha o seu cumprimento perfeito em nós, mas
em Cristo, por causa do poder do Espírito Santo, agora podemos cumprir
exatamente o que a Lei exigia (Romanos 8.2-4). Para estes(as), o que Tiago
escreveu sobre a lei não serve (Tiago 2.10-13), porque foi escrita apenas para
os cristãos judeus, mas ignoram que ela faz parte da coleção do Novo Testamento
e que, se os cristãos judeus para os quais ela foi endereçada só tivessem tido
oportunidade de conhecer este Evangelho (a mensagem de Pedro e de Tiago), será
que eles não seriam salvos e não seriam parte da igreja de Cristo também?
Num dos casos mais comuns, esses
neófitos(as) discorrem largamente sobre os dízimos e ofertas legais e
veementemente afirmam que essas práticas não são para os nossos dias porque
Cristo as aboliu, dando mais uma vez forte exemplo de sua infantilidade nas
Escrituras. Não sabem que, como Abraão não é da Lei, ele deu o dízimo de tudo o
que tinha a Melquisedeque que era o mais tremendo símbolo do sacerdócio
de Cristo na Antiga Aliança. Ora, se Abraão deu a Melquisedeque, deu a Cristo
em figura e símbolo, se Melquisedeque recebe dízimos, Cristo como Sumo
Sacerdote (coisa que parecem propositadamente esquecer) também recebe dízimos,
mas como o texto se encontra na Torá, erroneamente pensam que é algo da Lei. Como não compreendem os textos da carta aos hebreus acerca disso, a
ignorância permanece, e o pior, alguns teólogos de escolas mais livres atestam
os seus equívocos.
São tantos os erros e ignorância
que é quase impossível fazer uma defesa mais concisa sobre os assuntos que
estas pessoas proclamam em nome da defesa do Evangelho. Por isso me atenho
somente a estes pontos para principiar um ambiente mais reflexivo e de
aprofundamento da compreensão da totalidade das Escrituras em detrimento a uma
falaciosa e imaginável restrição dos textos válidos aos cristãos de nossos
dias. A moral e a ética de Deus em detalhes só são plenamente conhecidas
nos textos do Antigo Testamento e, sem eles, teríamos graves problemas em
advertir os pecadores de certos tipos de pecados, como o travestismo, o incesto
familiar e o bestialismo, só para início de conversa.
Por fim, acredito piamente na
sinceridade de muitos destes neófitos(as), mas como Paulo no início de sua fé
foi enviado de volta a Tarsis por causa das confusões que gerou em Jerusalém
(Atos 9.20-31) e precisou de um tempo para retornar mais maduro ao ministério,
esses irmãos e irmãs também provocam confusões e tumulto dentro e fora da
comunidade cristã pela maneira como afoitamente lidam com as coisas. Também se
esquecem ou não sabem, que as narrativas do livro de Atos compreendem o período
de vida e ministério de Paulo, excetuando-se a carta de 2 Timóteo, isto
significa que toda a doutrina de Paulo nas cartas foi desenvolvida no período
de Atos, fazendo com que, ao ler as cartas, não podemos deixar de ter as
narrativas de Lucas em Atos fora de nossa mente, pois o período histórico é o
mesmo do período das cartas paulinas. Isso altera em muito a parcialidade com a
qual usam o Novo Testamento, principalmente nas práticas diárias cristãs.
Considero particularmente que a
outra parte destes neófitos(as) não são nada do que dizem. Sobre eles os textos
de 2 Pedro e Judas têm muito a nos dizer. Não amam a igreja de Cristo, primeiro
porque falam dela como se ela fosse a pessoa de cada um deles, sem o conjunto
ou a participação comunitária dos grupos locais, e, segundo, não a amam porque
não conhecem de fato ao Cristo que dizem servir e não sabem que ele não amou
somente o mundo, a alguém pessoalmente ou qualquer outra coisa que digam, mas
parecem não conhecer que Cristo amou a igreja e se deu por ela (Efésios 5.25-27
e Atos 20.28).
É muito cansativo falar a
neófitos quando estes não ouvem, acham que com pouco tempo de cristãos já sabem
tudo o que poderiam saber e possuem todo o discernimento espiritual sobre a
igreja, que os reformadores não tiveram, que os antigos pastores não tiveram e
nem os apóstolos do Senhor tiveram. Acusando a alguns grupos de manipularem a
santa Palavra de Deus, estes incorrem no mesmo erro por sua postura irrefreável
e insubmissa. Desconectados da história da igreja, de sua produção de
conhecimento por séculos e de sua boa tradição, tornam-se viajantes errantes
como Agar, que quis se apartar de Sara antes do tempo determinado por Deus e
ouviu do anjo que deveria voltar à submissão de sua senhora, também estes(as)
precisam da mesma repreensão.
Há sim, um falso cristianismo
exalado por aí que não cheira bem e desvia da fé genuína, de Deus, de Cristo,
da cruz e da Palavra os fracos e iludidos espiritualmente. Há sim, um evangelho
que é “outro” e não o do Senhor pregado e propagado com pompa, honra e louvor
em lugares que mais parecem clubes e salões de festas do que o culto racional
prestado a Deus e a seu Cristo. Há sim, um “outro espírito” (ou outros)
rondando, girando, rodopiando, caindo, adivinhando, dando consulta, incitando à
práticas pagãs e desvirtuando a santidade cristã. Há sim, falsos mestres,
falsos pastores, falsos bispos, falsos apóstolos e falsos crentes em nosso meio
que infelizmente não serão extirpados até o dia da colheita final. Tudo isso e
todos esses precisam ser desmascarados e confrontados, mas não se pode atirar
para todos os lados. Por isso o conselho de Jesus quando explicou a parábola do
joio (Mateus 13.24-43), no versículo 29, deve ser nosso maior cuidado:
Não; para que, ao colher o joio,
não arranqueis o trigo com ele.
Sinceramente, penso que muitas
dessas ações de confronto fazem mais mal do que bem aos novos na fé e aos que
as vêm pelas mídias e TV. Minha esposa diz com toda razão que não se vê os
mesmos comportamentos combativos e destrutivos da fé em nenhuma outra religião
ou seita no mundo, somente no cristianismo, e parte disso é causado pela forma
libertina e pós moderna de tratar a Bíblia e a coisas. Ela diz que o único reino
dividido é o nosso. Não é que ela tem razão? Apenas dezoito anos de cristã, não
cursou teologia, mas é precisa em seu comentário!
Dictum sapienti sat est
(Para o sábio, uma vez dito é suficiente)
Bp. Carlos Carvalho
Teólogo, e Cientista Social
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