quinta-feira, 19 de dezembro de 2013


Deus e o mal – uma outra história

É sabido que a presença do mal no mundo ocupa lugar de destaque nas questões da existência de Deus ou de sua negação. Isso já é lugar comum e assunto chato do ponto de vista da redundância de seu ciclo. Também sabemos que os ateístas e alguns evolucionistas põem esse argumento como o mote central de suas argumentações contra Deus ou a fé.

Asseverações como: “se Deus existe e é bom, como pode o mal existir”, e todas as outras frases dessa linha de pensamento, ou “Deus criou o mundo, criou o homem, portanto, Deus criou o mal e é mal por causa disso”, e todo o blá, blá, blá que vem após isso. Gostaria de me ater a este segundo ponto de discussão, embora não poderei ser tão longo em meus argumentos.

Se “Deus criou o mundo, criou o homem, o homem sendo mal, não pode ser culpado de seus atos porque Deus criou mal”, pode parecer alguma coisa racional, mas não é eficiente no resultado. Vamos partir do princípio condutor das declarações: a concepção judaico-cristã da vida e do mundo. Nela, de fato, Deus criou o mundo, criou o homem, mas o homem se tornou mal pelas escolhas que fez.

Isso, no máximo, significa (para não ser acusado de fundamentalista) que Deus é o autor secundário do mal por ter criado o homem e não o causador do mal no próprio homem. Isto nos leva à outra afirmação, a que Deus é responsável em segundo plano pelas ações más dos homens, ao menos em segunda instância, novamente por causa da criação. Mas isso não resolve o problema total.

Se somente Deus fosse o “culpado” pelo mal no mundo, os que cometem os assassinatos, os estupros, os roubos, a corrupção, as guerras, todas as formas de violências, os abusos infantis, o racismo, os crimes religiosos, os enganos, as trapaças, as mentiras e a lista é quase interminável, jamais seriam responsabilizados pelos seus crimes e erros. No máximo teríamos uma resposta evolutiva como a da seleção natural, que impõe essa “naturalidade” criminosa e pecaminosa no homem.

Todavia, o fato mais claro em qualquer sociedade humana, antiga ou nova, é que os homens são responsáveis pelos seus erros e crimes, não imputando a qualquer divindade a culpa dos mesmos. Não se aceita em tribunal a defesa de que “uma voz”, ou “um espírito”, ou “um deus” me disse para cometer tais atos. Este indivíduo será considerado doente mental, porém cumprirá a sentença dos crimes em local adequado para pessoas mentalmente afetadas.

Outra coisa deixada de lado na matemática filosófica ateísta nos argumentos iniciais é o caso do livre arbítrio. Alguns pensadores fazem um esforço hercúleo para eliminar da equação do mal o livre arbítrio ou simplesmente o poder de decisão pessoal dos seres humanos. Se o livre arbítrio está fora da equação, mais uma vez voltamos à seleção natural que por si só criou em nós as induções imperceptíveis de nossas escolhas no longo processo evolutivo. Mais uma maneira de simplificar o problema, sem dar qualquer resultado.

Creio pessoalmente que Deus assumiu a parte da culpa pelo mal que o livre arbítrio causou na humanidade (assevero que isso é algo pessoal). Ele fez isso de algumas maneiras na História. No início procurou se relacionar com os homens fora de uma base moral elevada (vemos isso por todo o livro do Gênesis), depois gerou a Lei para o povo hebreu, posteriormente enviou os profetas para corrigirem o caminho dos desviantes e, por fim, enviou seu Filho para morrer em lugar de todos os que cressem nele a fim de resgatar o homem ao seu estado original a ponto de o mal não mais afetar as suas decisões.

Deus fez a sua parte na questão do mal e assumiu o seu nível de responsabilidade nisso, mas e o homem? O que vemos o ser humano fazer até hoje é apenas reclamar de Deus, culpá-lo pelos seus próprios erros e ainda por cima, declarar que Ele não existe por causa do mal que prolifera no mundo. O homem faz até hoje o que Adão e Eva fizeram quando foram flagrados no Éden: culpar o outro, que ao final, é também culpa de Deus. “Deus nos criou, nos colocou no jardim, permitiu a tentação e nós caímos. De quem é a culpa? Em última instância, Dele!”

Essa é a mais antiga desculpa que gente irresponsável dá quando confrontada com seus erros e crimes: “Não é culpa minha!”. Mas há uma triste notícia para os culpados: o mal é culpa do homem. Deus já cumpriu sua parte na equação, resta somente o homem cumprir a dele e deixar de ser inconsequente assumindo os próprios erros e crimes, deixando de culpar a Deus, sua existência ou não ou a seleção natural.

Carlos Carvalho


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013


De que modo descobertas arqueológicas ajudaram a mostrar a confiabilidade da Bíblia?


Ao longo dos anos, muito criticismo tem sido levantado quanto à confiabilidade histórica da Bíblia. Estes criticismos são usualmente baseados na falta de evidência de fontes externas confirmando o registro bíblico. E sendo a Bíblia um livro religioso, muitos eruditos tomam a posição de que ela é parcial e não é confiável a menos que haja evidência externa confirmando-a. Em outras palavras, a Bíblia é culpada até que ela seja provada inocente, e a falta de evidências externas colocam o registro bíblico em dúvida.

Este padrão é extremamente diferente do aplicado a outros documentos antigos, mesmo que muitos deles, se não a maioria, contém um elemento religioso. Eles são considerados acurados a menos que a evidência demonstre o contrário. Embora não seja possível verificar cada incidente descrito na Bíblia, as descobertas arqueológicas feitas desde a metade do século XVIII têm demonstrado a confiabilidade e plausibilidade da narrativa bíblica. Alguns exemplos:

  • A descoberta do arquivo de Ebla no norte da Síria nos anos 70 tem mostrado que os escritos bíblicos concernentes aos Patriarcas são de todo viáveis. Documentos escritos em tabletes de argila de cerca de 2300 A.C. mostram que os nomes pessoais e de lugares mencionados nos registros históricos sobre os Patriarcas são genuínos. O nome "Canaã" estava em uso em Ebla - um nome que críticos já afirmaram não ser utilizado naquela época e, portanto, incorretamente empregado nos primeiros capítulos da Bíblia. A palavra "tehom" ("o abismo") usada em Gênesis 1:2 era considerada como uma palavra recente, demonstrando que a história da criação foram escrita bem mais tarde do que o afirmado tradicionalmente. "Tehom", entretanto, era parte do vocabulário usado em Ebla, cerca de 800 anos antes de Moisés. Costumes antigos, refletidos nas histórias dos Patriarcas, também foram descritos em tabletes de argila encontrados em Nuzi e Mari.


  • Os Hititas eram considerados como uma lenda bíblica até que sua capital e registros foram encontrados em Bogazkoy, Turquia. Muitos pensavam que as referências à grande riqueza de Salomão eram grandemente exageradas. Registros recuperados mostram que a riqueza na antiguidade estava concentrada como o rei e que a prosperidade de Salomão é inteiramente possível. Também já foi afirmado que nenhum rei assírio chamado Sargon, como registrado em Isaías 20:1, existiu porque não havia nenhuma referência a este nome em outros registros. O palácio de Sargon foi então descoberto em Khorsabad, Iraque. O evento mencionado em Isaías 20 estava inclusive registrado nos muros do palácio. Ainda mais, fragmentos de um obelisco comemorativo da vitória foram encontrados na própria cidade de Asdode.


  • Outro rei cuja existência estava em dúvida era Belsazar, rei da Babilônia, nomeado em Daniel 5. O último rei da Babilônia havia sido Nabonidus conforme a história registrada. Tabletes foram encontrados mais tarde mostrando que Belsazar era filho de Nabonidus e co-regente da Babilônia. Assim, ele podia oferecer a Daniel "o terceiro lugar no reino" (Daniel. 5:16) se ele lesse a escrita na parede. Aqui nós vemos a natureza de "testemunha ocular" do registro bíblico frequentemente confirmada pelas descobertas arqueológicas.


Autor: Bryant Wood

Translated by Ronaldo Melo Ferraz.

terça-feira, 26 de novembro de 2013


A FÉ DO REINO

18 E, de manhã, voltando para a cidade, teve fome;
19 E, avistando uma figueira perto do caminho, dirigiu-se a ela, e não achou nela senão folhas. E disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti! E a figueira secou imediatamente.
20 E os discípulos, vendo isto, maravilharam-se, dizendo: Como secou imediatamente a figueira?
21 Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que foi feito à figueira, mas até se a este monte disserdes: Ergue-te, e precipita-te no mar, assim será feito;
22 E, tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis.
Mateus 21:18-23

Esta é uma das passagens mais conhecidas do livro de Mateus. Jesus se utiliza de uma situação ímpar que ocorrera – procurar fruto na árvore e não achar e amaldiçoá-la após isso – para ensinar aos discípulos sobre outro aspecto da fé que ele estava demonstrando por meio de suas ações poderosas.

Ainda estamos sob a cobertura frondosa das palavras espirituais liberadas por ocasião de Tabernáculos, onde o Espírito do Senhor nos indicou o caminho para um final de ano bom, ajustado e a espera de um ano novo com dobrada porção da parte de Deus.

Temos caminhado nestes últimos meses sobre a estrada da revelação do reino de Deus. Sua importância, sua realidade, seus princípios e leis e as características dos filhos deste reino, que foram arrastados por força do império das trevas e transportados para o reino do Filho de Deus (Colossenses 1.13). Nesta jornada aprendemos até aqui alguns dos aspetos do reino que nos ensinaram a viver como participantes dele, ainda que estando nesta presente era.

Aqui, vamos abordar as características da fé no reino de Deus, na perspectiva deste texto descrito por Jesus. Sabemos que basicamente a palavra que descreve a fé no grego serve a dois sentidos: a fé como conjunto de doutrinas - que são as verdades fundamentais reveladas nas Escrituras Sagradas. E a fé como um dom de Deus – que é a parte sobrenatural da fé. É desta parte que trata este texto em seu contexto específico, pois ele está referindo-se a coisas que pessoas comuns não fariam sem auxílio do poder divino.

Portanto, quais as características ou aspectos concretos desta fé-dom, sobrenatural? Vejamos:

A fé do reino não se move por tempos ou estações, ela espera frutos o tempo todo.

Já lemos ou ouvimos alguma vez que os estudiosos nos dizem que a época a qual o texto se refere não era propriamente o tempo de frutos daquele tipo de árvore. Sendo isto um fato, poderíamos questionar as intenções de Jesus ou sua sanidade mental ao proferir uma sentença de morte sobre uma árvore que nem ao menos sabia que deveria ter frutos, não? Mas certamente não é isto que está em foco aqui, assim como o Senhor não tinha problemas mentais.

Jesus sabia que a árvore não deveria ter frutos, mas proferiu uma sentença contra ela a fim de que os discípulos pudessem notar o que acontecera à árvore e fossem ensinados sobre a fé sobrenatural. Porque Jesus procurou fruto numa árvore que não o teria? Porque queria ensinar que é próprio da fé esperar frutos em todo o tempo; porque a fé não está limitada pelo tempo ou pelas estações, mas por sua própria essência e caráter. A fé é atemporal. Funciona em todo o tempo.

Esta fé não opera quando há dúvidas.

Esta é uma característica marcante deste tipo de fé, ela não se ajusta a ambientes onde a dúvida ou a incredulidade se estabelecem. Em alguns encontros de Jesus ele precisou eliminar a presença da dúvida, como no caso da ressurreição de Lázaro (João 11.17-40) e da filha de Jairo (Marcos 5.22-43), isso é assim não porque a dúvida bloqueie o poder de Deus em Jesus, mas impede que a pessoa que precisa desse poder seja iluminada e alcançada por ele a partir dela mesma.

É a pessoa que através da dúvida – que se torna com o tempo uma muralha de separação – cria suas próprias desculpas, justificativas ou conceitos que impedem que a fé aja de maneira eficaz em sua necessidade ou circunstância. Isto não é para trazer a nós a culpa “por não ter fé” que fere e destrói a esperança de tantas pessoas, mas é como um aviso de alerta que deve ser ativado em nossa mente, a fim de jamais permitirmos que a dúvida em Deus e em Cristo produzam prisões em nossa alma.

A fé é uma voz.

Esse é o ponto principal neste texto. O resultado final esperado pela fé, a sequidão da figueira e o tema central deste ensino está na fala. A fé tem uma voz e ela precisa ser liberada. Neste texto encontramos o ato de falar como sendo central à manifestação desta fé. Jesus “disse”, depois ensinou “se disserdes” e finalizou com “tudo o que pedirdes”. Isso é muito importante, pois a fé está conectada à fala. Foi Paulo quem escreveu: “cri, por isso falei” (2 Coríntios 4.13), e ele sabia o potencial dessas palavras.

Aqui vale uma advertência. Não estamos nos referindo a uma teologia “positivista” ou das “palavras positivas” da autoajuda que se finge de mensagens cristãs, mas a uma concreta convicção de que as nossas palavras de fé são poderosas ferramentas que Deus dispôs aos seus filhos e filhas em momentos especiais. Falar por falar não produzirá os resultados esperados, falar como “mantras” asiáticos também não, portanto a voz da fé é aquela que está em linha com as especificações do ensino de Jesus no texto.

Ela é manifestada pela oração.

Tiago descreve as ações da “oração da fé” (Tiago 5.15,16), assim como Paulo descreve as “palavras da fé” (Romanos 10.8). A voz da fé é proferida em oração. A oração é muito mais do que palavras repetitivas que as religiões ensinam aos seus seguidores, ela é uma comunicação dinâmica e viva com Deus, sem falsas “regrinhas” criadas para que essas mesmas religiões expliquem o porquê de seus adeptos não conseguirem as respostas que tanto anseiam e buscam de Deus.

A oração é o canal pelo qual a voz da fé passa. Isto não significa que teremos todas as nossas orações respondidas de acordo com os nossos desejos pessoais, mas ao mesmo tempo significa que nenhuma oração da fé fica sem respostas. É impossível alguém orar pela fé, que é o dom que veio do próprio Deus, e Ele mesmo não dar a devida providência por causa dessa mesma fé. Apenas é preciso passar pelas Escrituras e observar todos os homens e mulheres ali que se relacionaram na base da fé e como suas orações foram atendidas para termos uma ideia de como a coisa funciona.

Eis aqui a fé do reino de Deus. Aproprie-se dessas verdades e inicie a caminhada nesta fé-dom. Neste texto o Senhor Jesus não ensinou como adquirir este tipo de fé porque ela seria revelada em outros locais da Bíblia. Todo o relacionamento de Deus com os homens na História é parcial, e Ele vem gradativamente se revelando ao longo dos séculos, pois o homem caído se distanciou tanto de suas origens que Deus precisou reconectar-se com ele progressivamente e aos poucos. Mas hoje temos um conhecimento mais completo, embora não total.

A Paulo coube pelo Espírito Santo nos descrever como podemos obter esse tipo de fé-dom. Na sua carta aos romanos, ele anotou:

De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.
Romanos 10.17

É à medida diária, semanal e constante que nos expomos ao ensino audível da Palavra de Deus que a fé é produzida e gerada em nossos corações. Portanto, é no ato do culto ou da reunião da igreja onde os pastores e líderes ministram os ensinos das Escrituras é que a fé-dom vem a nós. Ela não é produzida por vontade humana, nem por técnicas psicológicas, ela tem sua maneira própria de ser obtida: ouvindo a pregação e o ensino da Palavra de Deus no culto. Muitos podem não gostar disso, mas é assim mesmo! Posso não gostar das maneiras como Deus estabelece algumas coisas, mas Ele não mudará por minha causa.

Uma última advertência deve ser feita neste aspecto. Se a fé-dom vem assim e é produzida no ambiente que o próprio Deus determinou, então precisamos estar alertas a dois graves problemas: 1) não é todo e qualquer ensino que pode produzir essa fé, pois há ensinos, mesmo num ambiente de igreja, que podem ser destrutivos às almas (Atos 20.28-30 / 1 Timóteo 4.1,2 / 2 Pedro 2.1-3). E 2) também não é qualquer “mestre”, “profeta” ou “ministro” que é de fato alguém vocacionado por Deus para ser o instrumento do verdadeiro alimento espiritual que produzirá a fé (2 Timóteo 4.3,4 / Gálatas 2.4,5 / 2 Coríntios 11.13-15). Tomemos cuidado.

Cito as palavras do Verbo encarnado:

E Jesus, respondendo, disse-lhes: Tende fé em Deus.
Marcos 11.22


© Bp. Carlos Carvalho
Teólogo e Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica


segunda-feira, 18 de novembro de 2013


Filhos do sistema & Filhos da luz
Lucas 16.1-13


Neste domingo fiz algumas considerações sobre minha leitura de Lucas 16 e prometi aos presentes no culto que disponibilizaria o esboço n blog. Eis aqui o conteúdo.

1  E DIZIA também aos seus discípulos: Havia um certo homem rico, o qual tinha um mordomo; e este foi acusado perante ele de dissipar os seus bens.
E ele, chamando-o, disse-lhe: Que é isto que ouço de ti? Dá contas da tua mordomia, porque já não poderás ser mais meu mordomo.
E o mordomo disse consigo: Que farei, pois que o meu senhor me tira a mordomia? Cavar, não posso; de mendigar, tenho vergonha.
Eu sei o que hei de fazer, para que, quando for desapossado da mordomia, me recebam em suas casas.
5  E, chamando a si cada um dos devedores do seu SENHOR, disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor?
E ele respondeu: Cem medidas de azeite. E disse-lhe: Toma a tua obrigação, e assentando-te já, escreve cinqüenta.
Disse depois a outro: E tu, quanto deves? E ele respondeu: Cem alqueires de trigo. E disse-lhe: Toma a tua obrigação, e escreve oitenta.
E louvou aquele senhor o injusto mordomo por haver procedido prudentemente, porque os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz.
E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos.
10  Quem é fiel no mínimo, também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito.
11  Pois, se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?
12  E, se no alheio não fostes fiéis, quem vos dará o que é vosso?
13  Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.



Considerações:

1.      O texto não parece ser uma parábola porque o tempo verbal no imperfeito hn (do verbo eimi = estar) não apoia essa ideia. O imperfeito grego expressa uma ação contínua localizada no passado que era uma coisa frequente. Portanto, “havia”, leva a crer em um acontecimento real que está sendo descrito por Jesus.

2.      Todas as pessoas mencionadas no texto vivem num ambiente comum, mundano, sem ética e de fácil promoção da impiedade, por isso Jesus ensina-nos a nos relacionar com esse sistema com a finalidade de abençoar pessoas.

3.      É exatamente neste contexto que o Senhor insere a perspectiva de Deus e Mamon, de fidelidade no pouco ou no muito e de nos tornarmos mordomos até daquilo que não é nosso a fim de recebermos o que nos pertence.

4.      Os filhos do mundo (desta era, deste sistema) são mais prudentes em sua geração do que os filhos da luz (ou de Deus), porque eles se movimentam como filhos deste sistema. A palavra para filhos do mundo ou desta era (aiwnoV) é a mesma usada em 2 Coríntios 4.4 para “o deus deste século” (também aiwnoV). Isso significa que os filhos desta era são filhos do deus desta era, por isso são mais hábeis no trato entre si.

5.      O reino de Deus é uma invasão neste sistema, mas não de forma ilegal. É uma reintegração de posse.

6.      Prudência não é uma virtude, é uma inteligência. É adquirir o conhecimento que capacita a agir adequadamente. É deste tipo de inteligência que precisamos.

7.      A palavra de Deus é a fonte da prudência que nos habilita a extrair do sistema os recursos que precisamos sem nos contaminar com ele. (Josué 1.8 e Apocalipse 18.1-4)


© Bp. Carlos Carvalho
Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional
Guarulhos, 17 de novembro de 2013



terça-feira, 12 de novembro de 2013


DE MARA A ELIM

22 Depois fez Moisés partir os israelitas do Mar Vermelho, e saíram ao deserto de Sur; e andaram três dias no deserto, e não acharam água.
23 Então chegaram a Mara; mas não puderam beber das águas de Mara, porque eram amargas; por isso chamou-se o lugar Mara.
24 E o povo murmurou contra Moisés, dizendo: Que havemos de beber?
25 E ele clamou ao Senhor, e o Senhor mostrou-lhe uma árvore, que lançou nas águas, e as águas se tornaram doces. Ali lhes deu estatutos e uma ordenança, e ali os provou.
26 E disse: Se ouvires atento a voz do Senhor teu Deus, e fizeres o que é reto diante de seus olhos, e inclinares os teus ouvidos aos seus mandamentos, e guardares todos os seus estatutos, nenhuma das enfermidades porei sobre ti, que pus sobre o Egito; porque eu sou o Senhor que te sara.
27 Então vieram a Elim, e havia ali doze fontes de água e setenta palmeiras; e ali se acamparam junto das águas.
Êxodo 15:22-27

Este texto chama constantemente nossa atenção para uma série de coisas que atestam basicamente para a natureza de Deus e natureza do homem. Ambos estão envolvidos nesta narrativa que descreve a multidão de israelitas que foram retirados do Egito por uma enorme manifestação sobrenatural do poder de Deus que os levou da África a Ásia através da passagem do Mar Vermelho.

Eles são milagrosamente guiados e alimentados por Deus através da instrumentalidade de Moisés e de um grupo de líderes que vão surgindo ao longo da jornada. Logo no início da caminhada após estrarem no continente asiático atual, o texto já insere a narrativa de um caso interessante que ocorre às margens de uma fonte de água imprópria para o consumo. Aquele local ficou conhecido como Mara.

Haviam já caminhado por três dias e certamente as suas reservas de água tinham se exaurido. O povo clama a Moisés, que por sua vez roga a Yahweh e ele faz mais um milagre para manter a vida dos libertos. Uma árvore qualquer é usada para a realização do ato soberano de Deus e as águas se tornam puras para serem consumida pela multidão sedenta.

Os detalhes desse acontecimento é que nos chamam a atenção. É sobre esses detalhes que devemos colocar nossa mente com a finalidade de não repetirmos a mesma história com alto grau de semelhança em nossas vidas hoje. Gostaria de abordar de duas maneiras o acontecimento, pelo viés do próprio fato e posteriormente as suas lições para nós.

1 – Milagres não são suficientes para criar uma vida de fé firme em Deus.
O caso de Mara nos mostra que um povo que experimentou até ali as maiores provas do real poder criador e destruidor de Deus sobre o Egito e para preservar a vida deles, ainda assim, como neste caso e em outros mais que viriam, eles murmuravam, se rebelavam e transgrediam os mandamentos e as leis. Toda a gama dos poderosos feitos de Deus não foi capaz de gerar neles a confiança no próprio Deus.
É fato que apenas os milagres não vão gerar uma vida espiritual sadia em ninguém. A verdade é que pessoas que somente buscam e oram por milagres e mais nada, somente pedem pela manutenção e crescimento de sua vida material, são pessoas profundamente insatisfeitas com tudo. Os milagres realizados por Deus atestam muitas vezes para a nossa insatisfação em ser guiados por Ele.

2 – Os milagres sinalizam para algo maior: uma aliança.
É para isso que servem os milagres de Deus, para nos levar a reconhecer sua aliança, seu caráter, seu amor e justiça sobre nós e sobre o mundo. Deus mencionou a Moisés que se o povo obedecesse as suas orientações Ele faria uma aliança com eles de tal maneira que as doenças e pragas que foram enviadas ao Egito jamais viriam sobre o povo.
Isso é aliança, isso atesta para a natureza de Deus. Um Deus que está preocupado com seu povo e deseja o melhor para ele, mas que ao mesmo tempo não aceita a rebeldia e a transgressão deles quando dispensa seu amor e bondade para quem não lhe mostra respeito e não lhe honra. Todos os milagres da Bíblia mostram a aliança de Deus com os homens em algum nível. De Noé a Jesus tudo é resultado de alianças.

3 – Deus prova os corações dos homens.
Mara foi a primeira parada após a travessia do Mar Vermelho e lá Deus provou o povo. Já no início da jornada o próprio povo ficou de frente consigo mesmo. Descobriram sua ingratidão rapidamente, e sua rejeição a Deus logo se manifestou na perspectiva de que viam a Moisés como coautor dos acontecimentos negativos e com o responsável pelas soluções. Mara se transformou no primeiro espelho da alma daquelas pessoas.
Quando o ser humano é provado no nível mais profundo, no da sua sobrevivência é que descobrimos o quão hediondos podemos ser. É ali que vemos a manifestação de toda a crueldade que há no coração dos homens ou é neste nível que vemos a maior prova de altruísmo, solidariedade e amor à vida do outro. É aqui, neste ponto, onde a humanidade é dividida. Provar significa sujeitar alguém à dificuldades com a finalidade de demonstrar a sua qualidade.

AS LIÇÕES PARA HOJE

Na vida passaremos por lugares como Mara, lugares de amargor (é isso que significa a palavra) e precisamos estar preparados para isso. Dificuldades, problemas e angústias todos nós passamos e ninguém está isento disso, mas como passamos por isso é o que importa. Os israelitas daquele tempo foram provados e não passaram no teste de qualidade. Se e quando passarmos por coisas parecidas, ao invés de refletir ou orar, fizermos exatamente o que aquelas pessoas fizeram, também seremos reprovados na vida.

Lugares como Mara não são permanentes, são de passagem. Não iremos ficar a vida inteira lutando com nossos problemas e amarguras, eles passarão. Tudo passa e nada é permanente. As dores, as tristezas e as dificuldades acabam de uma forma ou de outra. Isso acontece, principalmente para nós os que cremos, porque Deus tem uma aliança conosco em Cristo Jesus e nos prometeu alívio, salvação, paz e respostas às nossas orações, mesmo quando apenas algumas não saem exatamente como pedimos. Lugares de provação são também lugares de aprovação da vida.

O alvo de Deus é Elim. Elim significa “lugares de palmeiras” ou “palmeiras”, e era um oásis com águas abundantes e sombra disponível para descansar. É interessante que essa localidade ainda exista nos dias de hoje com o nome de wadi Garandel na Arábia Saudita. Isto é um testemunho para além dos séculos que Deus é aquele que provê e sustenta seu povo que lhe ama e lhe serve. O Senhor sempre agirá com o objetivo de nos levar a lugares como Elim, locais de descanso e refrigério a fim de recobrar as forças para a jornada da vida, e isso ocorre na maioria das vezes após Mara.

Pense nisso!

© Bp. Carlos Carvalho
Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Tabernáculos 2013

Deuteronômio 16.13-17

Oficialmente este ano a comemoração de Tabernáculos foi no mês de setembro, mas em nossa Comunidade, preferimos anualmente uma data posterior. Já há mais de sete anos festejamos esse tempo incomparável de alegria e celebração da provisão de Yahweh em nossas vidas, e neste ano, a festa de revestiu de imensa importância para nós.
Durante dois dias (sábado e domingo) compreendemos o que é Tabernáculos na ótica de Deus quando da sua instituição e para alguns que desconhecem o texto bíblico, saibam que Jesus participou da festa de Tabernáculos em João 7 e uma de suas mais famosas declarações sobre o Espírito Santo foi durante essa festa (João 7.37-39).
Tabernáculos na Escritura de Deuteronômio significa:

1.      Que é um tempo de alegria – essa é a palavra mais significativa no texto acima.
2.     É um tempo de colheita daquilo que se plantou e de bênçãos na vida profissional. Como o versículo 15 nos informa.
3.      É tempo de reconhecer as bênçãos que o Senhor nos dá pelo ato da oferta. Portanto, ninguém deveria se irritar pelo ato de ofertar continuamente, pois é reconhecimento contínuo que Deus nos abençoa.

Tendo entendido isso, passamos a ouvir o que significa para nós como comunidade de fé, neste tempo presente, a festa de Tabernáculos:

A.    É um tempo de anúncio de um novo ano – este ano está encerrando e um novo ano de aproxima daqui a dois meses. Tabernáculos anuncia um novo ano.

B.     Um tempo de plantar novas sementes – como na agricultura, quando a colheita termina, é necessário iniciar o processo de por novas sementes no solo. Também ouvimos que se estamos insatisfeitos com a colheita que tivemos até aqui, serão necessárias novas sementes para que haja uma colheita diferente no próximo ano.

C.     Tempo de começar a falar novas palavras – isso significa que agora que o ano está terminando precisamos mudar nosso linguajar para o de declarar aquilo que desejamos para o futuro que está vindo.

D.    Tempo de esperar novidades – também o agricultor na sua jornada de replantio das sementes para o novo ano espera que a colheita seja melhor ou superior a que teve. Nós também devemos esperar as coisas novas que Deus nos trará, pois Ele é o Deus das coisas novas (Apocalipse 21.5)

E.     Um tempo de reorganizar as coisas e refazer os planos – Tabernáculos proclama que é preciso rever as coisas e os planos perto do final do ano. Se for necessário mudar as estratégias ou refazer os planos para alcançar alguns objetivos que ainda não conseguiu, não hesite em agir.

F.      Tempo de transição de momentos – quando uma colheita termina, aquele momento passou para o próximo momento, o de se preparar para a seguinte safra. Por quanto tempo Deus continuará tentando nos levar ao próximo momento porque ainda estamos presos no momento anterior? Transicione!

G.    É um tempo de preparativos para terminar o ano bem – se as circunstâncias em sua vida atualmente te levarão a terminar bem o ano, Deus seja glorificado! Mas se não, prepare-se para criar novas circunstâncias afim de que seu ano não seja infrutífero.

Ao final, oramos declarando que estamos prontos para 2014. Dissemos que ele pode vir que cada um de nós, nossa casa, nossa igreja, estamos prontos para ele. Faça o mesmo!

© Bp. Carlos Carvalho
Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional


segunda-feira, 21 de outubro de 2013


Mateus 5.17-48

A importância da Lei moral e o seu verdadeiro significado

Há algumas semanas temos nos debruçado em Mateus capítulo 5. Desde o primeiro momento, vimos que o reino pertence aos que estão em relacionamento de bem-aventurança com Deus na prática da vida diária (v.1-11) e que esse é o caminho para a verdadeira felicidade. Saltamos as questões sobre o sal da terra e luz do mundo, pois é assunto bem conhecido entre nós. Em um segundo momento, fomos à importância da lei moral de Deus e sua correta relação conosco que estamos na graça. Aprendemos que:           
  •   Jesus não veio modificar ou alterar a Lei, mas veio para revelar o verdadeiro significado da lei moral de Deus aos homens (v.17)..      
  •  Jesus estabeleceu a plena validade dessa lei moral do Antigo Testamento e nos mostra que o Novo Testamento não é uma substituição ou anulação dessas leis do Antigo Testamento. É uma substituição da aliança baseada em sacrifícios de animais e não das leis morais de Yahweh (v.18).
  •  O maior no reino de Deus é aquele que pratica e ensina as leis morais de Deus. Aqueles que desconsideram o menor desses mandamentos são tidos como insignificantes em seu reino (v.19).
  •   Jesus nos pede uma santidade muito mais profunda e uma prática dessa lei moral maior que apenas uma mera concordância exterior (v.20).

Na última fase do capítulo 5 compreendemos o verdadeiro significado desta lei moral de Deus. Após ter-nos ensinado sobre a vigência da lei moral, Jesus passa a descrever qual a verdadeira intenção de Deus ao deixar escritos esses mandamentos éticos. Dos versículos 21 ao 48 portanto, temos a abordagem do Senhor em relação a um grupo específico de situações que chamei de pecados de relacionamento. Os judeus estavam acostumados com a explicação rabínica para certos textos da lei, mas Jesus dá o verdadeiro sentido deles.

Primeiro – a questão dos homicídios (v.21-26) – Jesus declara que a lei diz para não matar outra pessoa e quem matar será julgado pelo crime que cometeu. Isso é correto, mas ele vai além disso, e ensina que o verdadeiro problema não está no produto final (o homicídio), mas no interior daqueles que se recusam a reconciliar-se com o próximo por causa da ira, ou seja, matar alguém é o resultado de um coração que rejeita a paz com o outro e desconsidera a possibilidade de conviver pacificamente com o próximo.

Segundo – os adultérios (v.27-32) – não podemos achar que é somente uma questão de adultério aqui, mas de toda a relação sexual fora dos padrões de Deus. Jesus crê no que a lei afirma, mas dá um passo a mais no entendimento. Ele declara que o verdadeiro problema não é o adultério, mas a falta de controle pessoal dos desejos que foram influenciados pela luxúria. Em outras palavras, o nosso desejo sexual não controlado vai nos levar a cometer atos que ultrapassam os limites da santidade de nosso corpo.

Terceiro – sobre os juramentos (v.33-37) – desde a antiguidade somos levados a jurar de alguma maneira para que a verdade seja estabelecida e diante de tribunais também fazemos juramentos. O que o Senhor diz aqui é que o problema não está necessariamente nos juramentos, mas na intenção com a qual os fazemos, ou seja, quando intencionamos criar enganos com nossas mentiras e fazemos juramento depois, somos muito malignos em nosso coração. Por isso ele diz que devemos ser honestos em nossas declarações, apenas com um sim ou não e já será suficiente se somos verdadeiros.

Quarto – a vingança (v.38-42) – a lei de talião prescrevia o mesmo tipo de castigo para quem ferisse ou matasse o próximo ou seu animal: olho por olho, dente por dente. Essa lei é anterior aos judeus e foi posta na Torá com algumas alterações, mas o princípio continuou o mesmo. Jesus diz que o problema não é se essa lei é válida ou não, mas que, por causa da possibilidade de provocarmos injustiças por nossos atos de retaliação pessoal, não devemos dar vazão aos nossos impulsos vingativos. Oferecer a outra face, dar a capa, andar a segunda milha e emprestar são atos não de fracos e “capachos”, mas de pessoas que desejam a verdadeira justiça ao invés da vingança.

Quinto – sobre o amor ao próximo (v.43-48) – aqui se encerra o discurso das leis morais e não poderia ser mais difícil. Nossa constituição psíquica e emocional normalmente não tende ao perdão, mas sim a reações de ira, raiva e ressentimentos quando nos fazem mal, isso faz parte de nós. O Senhor declara que o verdadeiro problema nosso está na falha em compreender quem são os alvos de nossos atos de amor. Quem nos ama e gosta de nós são pessoas maravilhosas de nos relacionar, mas quem tem uma visão contrária sobre nós e nos despreza, e mais, fazem coisas para nos prejudicar, essas deveriam ter as nossas mais afetuosas considerações. Não sei se para mostrarmos a elas que estão erradas sobre nós ou se para mostrarmos a Deus nosso comprometimento com sua palavra, mas Jesus nos ordena que assim o façamos.

No versículo 48, o Senhor faz uma declaração que destrói toda nossa estrutura de confiança em nós mesmos e põe definitivamente uma gigantesca pedra irremovível sobre nossas expectativas de superação de nosso ego. Ele ordena que sejamos perfeitos como Deus é perfeito, isso parece brincadeira, não? Mas é exatamente isso que ele pede. E porque faz isso? Para nos mostrar a nossa incapacidade de realizarmos uma façanha tão impossível. Jamais conseguiremos ser perfeitos como nosso Pai celestial.

Se Jesus nos pede algo inatingível, com que propósito ele faz isso? Para que ao final chegássemos a duas simples conclusões:
      1º   Padrões tão elevados de conduta são inalcançáveis a qualquer ser humano.
     2º   Precisamos desesperadamente confiar em Cristo, em seu sacrifício e ressurreição para que por meio dele, possamos ser cobertos nessa insuficiência. Em outras palavras, a perfeição que Jesus alcançou cobre as minhas deficiências e Deus me olha através dele e de sua perfeição e não de minha deficiência e insuficiência em alcançar o seu padrão.

Isso é um alívio para cada um de nós que depositamos fé em Cristo Jesus. Também não significa que não precisamos mais buscar uma vida prática dentro dos padrões das leis morais de Deus, mas que agora, nossa incapacidade recebeu um poderoso aliado para vivermos como ele intentou: o Espírito de Cristo, que foi colocado em nós, nos transformou em novas criaturas (Romanos 8.1-11,14 / 2Coríntios 5.17 / Gálatas 5.16-26) e nos capacita a viver esse padrão.

Soli Deo gloria

Bp. Carlos Carvalho
Pr. Sênior da CBBI


terça-feira, 15 de outubro de 2013

Bios, Psique e Zoe – A Vida em Detalhes

O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.
Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas.
João 10:10,11 (ACF)

Como estudantes da Palavra, às vezes nos encontramos em uma encruzilhada interessante, que certamente e muito mais, passaram os tradutores da Bíblia para nosso vernáculo (o idioma que falamos), quando se depararam com textos que são traduzidos por uma única palavra no português, mas que de fato são palavras diferentes no texto original. Esse é o caso da palavra “vida”. Para nós, há somente uma palavra para designar todas as coisas pertencentes à esfera da existência, tanto interior como exterior, tendo como diferença de significados apenas o sentido que se emprega nas frases. Em outras palavras, o sentido de “vida” em nosso idioma é dado pela frase na qual a palavra está e não pela própria palavra em si, ou seja, são as derivações que dão sentido a ela.

Já no grego (língua básica do Novo Testamento), existem três palavras principais para “vida” e elas possuem significados diferentes independentes das frases nas quais se encontram. É o caso do texto acima. Embora em nosso idioma a palavra seja a mesma nos dois versículos, em grego não são iguais e isso altera a percepção que deveríamos ter da sentença que lemos. Inicialmente não vamos à interpretação da tradução do texto, mas iremos às próprias palavras que aparecem no NT[1] como tentativa de entender o significado delas. Isso é muito importante para a correta compreensão dos textos. Não sou especialista em grego e nem em NT, mas com as ferramentas corretas, qualquer estudante aplicado poderá fazer uma tradução e interpretação mais acurada das Escrituras.

A primeira palavra é bioV (bios). Bios se relaciona com o viver, denota a “vida” nas suas manifestações externas e concretas. Desde o seu surgimento, se refere ao “curso da vida”, “duração da vida” ou “modo de vida”. Bios é uma palavra rara no NT, ocorre apenas 11 vezes e tem um significado claramente temporal e finito. A “vida” (bios) é, portanto, física, temporal, curta e finita. Basicamente, parece que este é o único conceito de vida que nos é apresentado nas escolas e universidades e do qual estamos bem inteirados. Mas é somente um terço do total significado da vida. Quando diminuímos o seu significado, ficamos aquém dela e passamos a pensar na vida em termos somente biológicos, químicos e mecânicos. Parece algo inteligente, mas é uma inteligência limitada.

A segunda palavra é yuch (Psichê). É de onde se deriva nossa palavra “alma”. Se examinada detalhadamente, desde seus usos mais antigos, ela significa basicamente três coisas: 1) a base impessoal da vida ou a própria vida, 2) a parte interior do homem e 3) uma alma independente do corpo. No Antigo Testamento, ela significa em linhas gerais o “hálito da vida”, o “coração”, o “homem interior” ou um “ser vivente”. No NT, ela ocorre 101 vezes e significa a sede da vida, a vida inteira de alguém. Psichê abrange, portanto, a totalidade da existência e vida do ser humano, com a qual se preocupa e da qual tem cuidado constante. Essa palavra equivale ao ego, à pessoa ou à personalidade do homem. Psichê é a vida interior do ser humano. Não nos aprofundaremos mais aqui.

A terceira palavra é zwh (zoe). Para o grego clássico, zoe é a qualidade de vida da natureza da qual os homens, os animais e as plantas partilham juntamente. Mais tarde se tornou “luz”, algo essencialmente divino ou uma coisa indestrutível que possui poder vivificante. No Antigo Testamento a vida, em síntese, é essencialmente realista, religiosa e comunitária, ou seja, vida é a existência humana no seu dia-a-dia, com todas as suas nuanças e alternativas, e ao mesmo tempo, conectada a Javé, o Criador da Vida.  Já no NT, a vida é assunto extremamente importante, não apenas denota a existência, mas zoe se refere a própria vida de Deus comunicada aos que a receberam em Cristo. Essa vida é de qualidade superior, ilimitada (pois não é confinada ao tempo histórico) e escatológica, porque nos levará à era futura, que possui uma vida cuja duração não tem fim: a Vida Eterna.

Ao compreendermos bem esses conceitos temos diante de nós o texto inicial. Jesus se expressou de duas maneiras utilizando-se das duas principais palavras do NT:

Primeiro – ele veio para nos trazer a zoe abundante, ou seja, a qualidade da vida interior e exterior semelhante à de Deus em nós e com passagem para além desta própria existência, para a vida eterna (era futura). Essa zoe (vida) começa aqui com o ato de recebê-la pela fé na ressurreição de Cristo Jesus e se manifesta diariamente na prática do amor, da ética do reino e dos princípios da palavra de Deus.

Segundo – Jesus disse que sendo o bom pastor, ele dá a sua psichê (vida) por suas ovelhas. Numa tradução bem literal desta passagem, ela ficaria mais ou menos assim: “Eu sou o bom pastor; e o bom pastor coloca toda a sua alma em favor das ovelhas”. Muda um pouco o sentido, não? Jesus veio para usar toda a sua alma (psichê) ou toda a sua existência para dar aos que cressem nele uma vida (zoe) que não poderia se acabar mesmo em face da morte física (da bios).

Esse conhecimento expande nosso conceito de vida para além da bios (física) e para além da psichê (alma). Nos leva além da natureza humana e para além da academia. Nos coloca em patamar de conhecimento mais completo da vida, ao menos em teoria.

© Carlos Carvalho
Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional

Referências;
Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordon Chown]. – 2. ed. Vol I e II. – São Paulo: Vida Nova, 2000.
Luz, Waldyr Carvalho, Novo Testamento Interlinear / Waldyr Carvalho Luz. – São Paulo, SP: Hagnos, 2010.




[1] NT – Novo Testamento

segunda-feira, 7 de outubro de 2013


REFO 500 – A Espiritualidade da Reforma

Nos dias 2 a 4 de outubro deste ano aconteceu a REFO500, o evento que marca o início das comemorações dos 500 anos da Reforma no Mackenzie. Embora não pude participar em todos os dias nem de todas as oficinas, impressionou-me positivamente os momentos que presenciei.

Os preletores aos quais tive a oportunidade de ouvir, tanto nas plenárias, como nas oficinas, foram excelentes em suas palavras e trouxe um maior ânimo e impulso para continuar acreditando que há esperança para o evangelho no mundo e no Brasil, a partir de um revigoramento dos temas centrais reformados em 1500.

Algumas das palavras de Calvino, proferidas na oficina do Dr. Herminstein Maia, me impactaram mais uma vez. Essas foram as palavras:

“A Palavra é a escola do Espírito”.
 “As Escrituras são como os nossos óculos: ajustam nossa visão”.
“A fé tem compromissos existenciais inevitáveis”.
“A Teologia está associada à vida. É um serviço comprometido”.
“As escolas teológicas devem ser um berçário de pastores”.

Estão de parabéns a Universidade Mackenzie, o Ministério e Editora Fiel e todos os voluntários e equipe de apoio do evento. Foi um sucesso!

© Carlos Carvalho

Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Tempo que temos
Salmo 90

Este é mais um daqueles salmos emblemáticos que falam a nós em qualquer que seja a época que vivamos. Ele descreve a eternidade de Deus e como o tempo para Ele passa, como diz o versículo 4, mas ao mesmo momento, descreve como o tempo passa para nós humanos e como isso é vital para desfrutar de uma vida frutífera e com sentido.

O texto é recheado das noções de tempo, como: geração, eternidade, dia, ontem, noite, madrugada, tarde, anos e manhã. Tudo isso reflete a completa noção de tempo que possuímos e sua relação conosco no âmbito da própria existência. A porção do texto que desejo meditar especialmente são os versos 9 e 10:

Pois todos os nossos dias passam se passam na tua ira; acabam-se os nossos anos como um breve pensamento.
Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado.

Todos têm a sensação de que o tempo passa mais depressa e de que o nosso tempo é cada vez menor. Isso não é subjetivo apenas, é um fato interior que comprovamos ao passar dos dias. Essa sensação jamais passará. A transitoriedade da vida é real e a experimentamos a todo o momento. O tempo de fato é curto para nós.

O salmista sabe em seu coração que o tempo não está a nosso favor, ao contrário, conspira contra nós. Ele reconhece que a vida pode passar de tal maneira, que ao olharmos para ela ao final, diremos que voou como um pensamento e o tempo passou e não percebemos. Para Deus o tempo não passa como passa para nós, portanto, estamos na desvantagem.

Mas Moisés (o salmo é dele) compreende que isto não precisa ser tão desastroso como parece. Devemos manter em uma constante diante de nós a certeza da brevidade da vida humana, mas sem nos deixar abater por isso. Precisamos encontrar o sentido de nossa existência e vivermos por isso como se a própria vida dependesse disso. Isto não é tão fácil, mas é possível.

O tempo passa, mas pode passar para nós com qualidade. A vida se acaba, mas pode chegar ao fim com alegria e paz. O salmista entende que são os nossos pecados e iniquidades que fazem com que a vida se abrevie ainda mais. Nossos pecados fazem o tempo passar como a madrugada, a manhã ou a tarde para nós como nos versos 5 ao 9. O pecado rouba o tempo de nós e nos faz perder tempo de qualidade.

À medida que Moisés avança em seus pensamentos ele descobre o segredo do tempo. Ele descobre a maneira como ter o tempo ao seu favor e se beneficiar do pouco tempo que temos. Ele entendeu que apenas o Senhor – o dono e criador do tempo – pode nos ensinar a desfrutar melhor dele, e por isso pede no verso 12:

Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio.

Eis aqui o segredo exposto: a sabedoria que nos ensina a usar o tempo mesmo quando temos tão pouco é a resposta. Deus nos dará essa sabedoria e nos ensinará a viver os dias da breve vida que temos com qualidade e excelência. Isso será tão relevante e definitivo que o tempo já não passará da mesma maneira. Sentiremos que o tempo não nos assusta mais e o usaremos a nosso favor.

No verso 14, o salmista faz um segundo pedido a Deus após compreender como o tempo fará sentido. Ele pede que a cada manhã, portanto, ao se iniciar cada dia, que a benignidade ou a manifestação de seu amor (de Deus) seja uma realidade percebida em sua vida, porque isso trará sentido para o resto da sua vida. Assim viverá na alegria dessa revelação.

Isto serve para nós. Somos a geração da rapidez, das coisas instantâneas, da tecnologia, da comunicação online global e simultânea, mas sempre reclamamos que apesar de toda essa evolução tecnológica, temos menos tempo do que as pessoas que não desfrutavam das coisas que possuímos tinham. Porque isso acontece? Talvez porque saibamos lá no fundo que não temos controle sobre o tempo, e isso nos assusta.

Porém, quando estamos em uma relação de confiança e fé com o Senhor, o tempo passa a ser a última das nossas preocupações, porque a fé nos faz saber que vamos viver para sempre, mesmo após esse período aqui, e que a sabedoria que vem de Deus nos dá subsídios e recursos para vivermos um tempo de qualidade. Mesmo que seja um pouco de tempo como setenta ou oitenta anos.

Quando descansamos no Deus do tempo o tempo não nos amedronta mais. As tribulações, os problemas da vida, suas tragédias e males, já não são tão assustadores, pois quando descobrimos a transitoriedade da vida, também descobrimos a transitoriedade das coisas, ou seja, tudo passa, e por isso a alegria ultrapassa ao tempo, porque ela continuará conosco após as coisas passageiras passarem.

A alegria é permanente. Mesmo após grandes tragédias, voltamos a sorrir. Mesmo após a morte, depois do luto retornamos a sentir alegria. Ela é perene, mesmo que por algum tempo precisemos sentir as dores e as tristezas da vida, a alegria sempre retornará renovada e com mais disposição ainda. A alegria pode vestir o manto da tristeza por um tempo, mas depois, ela o remove.

No fundo, muitos processos de depressão que levam à morte, só acontecem porque as pessoas perderam o sentido e a vontade de viver e porque o tempo para elas se traduziu somente em sofrimento, dor e desilusão. A alegria que vem de Deus é a solução para isso. A alegria não permitirá que a normal tristeza se transforme em depressão mortal.

Assim termina o verso 15, num êxtase emocional que sabe que a alegria de Deus cobrirá o tempo de sofrimento e será como um poderoso antidepressivo que redimirá o tempo de aflição a adversidade pelo qual passamos. Um energético para a alma que revigorará os anos seguintes e restaurará nossa esperança.

Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido, por tantos anos quantos suportamos a adversidade.


© Bp. Carlos Carvalho

Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Caminhando na Revelação do Reino – parte 2

O Caminho da Felicidade
Mateus 5.1-12

Este é o início do famoso Sermão da Montanha de Jesus e ele não poderia ter começado com mais mestria o grupo de um dos seus mais importantes discursos durante seu ministério terreno. Acredito que a compreensão do reino de Deus só é possível quando analisamos por completo as falas de Cristo e seus ensinos.
Esta é a parte que chamamos das Bem-aventuranças e descrevem nove estados espirituais que os discípulos devem possuir no caminho de seu aperfeiçoamento e crescimento espiritual. São ao mesmo tempo subjetivas e práticas, ou seja, começam dentro de cada um e são posteriormente manifestadas no dia a dia.
Numa tradução mais simplificada, uma pessoa bem-aventurada é alguém feliz e afortunado. Isso se dá não por um tipo de emoção superficial que se possa sentir, mas pelo bem-estar concedido por Deus apenas aos fiéis. Em minha perspectiva, esse grupo de estados pessoais descreve o que chamo de caminho para a felicidade.
Portanto, na visão de Jesus, aquele ou aquela que escolheu trilhar esse caminho, necessita desenvolver essas qualidades essenciais para que possa andar neste reino e viver a verdadeira felicidade, que não é um estado emocional, mas transformação radical da vida pelo fato de que pertence a Deus em Cristo Jesus. Vamos a eles:

1.      Humilde de espírito (v.3) – em algumas traduções aparece a expressão “pobres de espírito”, mas não é correta. Essa expressão descreve o oposto da autossuficiência, ou em outras palavras, humilde de espírito é a pessoa que reconhece a total falência espiritual quando se está afastado de Deus. É reconhecer a plena dependência de Deus.

2.      Os que choram (v.4) – esses não são os que choram pelo luto por algum ente querido que se foi; não é o choro pelo rompimento de um relacionamento; não é o choro de emoção por algo de bom ou de ruim que aconteceu. Esse choro é aquele que descreve a tristeza provocada por ter pecado contra Deus em arrependimento. É o choro pelos seus próprios pecados e indignidade.

3.      Os mansos (v.5) – ser manso não é a condição de passivo e permissivo na vida. Ser manso neste texto é o oposto da falta de controle. É alguém que está agindo sob o autocontrole assegurado pelo Espírito Santo que lhe capacita a estar inabalável, mesmo diante das mais difíceis adversidades na vida.

4.      Os que têm fome e sede de justiça (v.6) – essa condição é a de quem busca estabelecer a justiça no lugar de se estabelecer a sua própria. Isso acontece de forma consciente para que ele ou ela não permita o erro de, no lugar de se fazer a verdadeira justiça, aconteça a vingança.

5.      Os misericordiosos (v.7) – são aqueles que têm compaixão real pelo estado deplorável do próximo e se move em solidariedade em favor dele. Essa condição é essencial para os nossos dias, pois a quantidade de indivíduos em condições de subvida é imensa e precisamos agir com profundo amor, mesmo quando não temos todos os recursos que precisamos para ajudar mais.

6.      Os limpos de coração (v.8) – esse estado descreve a condição interior daquela pessoa que está isenta da hipocrisia e que está livre de baixeza moral. Neste caso, aqueles que adquirem essa virtude, recebem a promessa de verem ao próprio Deus. Porque muitas pessoas não conseguem perceber a Deus e suas ações? Por causa de seus corações impuros.

7.      Os pacificadores (v.9) – os pacificadores são os promotores da paz, mas vão além disso. Esses são aqueles que agem no intuito de prevenir as divisões em qualquer lugar, agem para prevenir que a amargura se enraíze nos corações dos outros e lutam para que as discórdias sejam desfeitas entre os irmãos.

8.      Os perseguidos por causa da justiça (v.10) – essa é uma condição interessante. Descreve aqueles que carregam as feridas pela experiência da luta pela justiça. Isso significa que foram às margens do sofrimento físico imposto a eles por acreditarem na justiça entre os homens. Entre estes figuram: Ghandi, Martin Luther King, Mandela e outros.

9.      Os perseguidos por causa de Jesus (v.11,12) – são estes que sofrem as perseguições por declarar sua fé em Jesus. São injuriados, xingados, insultados, recebem os males causados pela mentira contra eles e sua fé. Em algumas partes do mundo são mortos por serem cristãos e por cultuarem ao Deus das Escrituras. Entre estes estão todos os verdadeiros cristãos que sofreram por sua fé desde o primeiro século. O número é incontável.

Viver e andar no reino de Deus tem privilégios, benefícios e bênçãos, mas também é exigido de cada participante dele que carregue a sua cruz e a leve. Essa “cruz” não é um objeto pesado e físico, mas a responsabilidade e as consequências de ser de fato um cristão, um seguidor de Cristo e um verdadeiro filho e filha de Deus.

Está pronto para isso?

Bp. Carlos Carvalho

Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica Internacional